O que você verá neste post
Introdução
As Anotações Acadêmicas de 20/05/2025 da disciplina de Teoria Geral do Processo trazem uma abordagem aprofundada sobre temas fundamentais do Direito Processual Civil, especialmente no que se refere às regras de competência no processo.
Compreender corretamente esses conceitos é essencial uma vez que a definição da competência impacta diretamente a validade dos atos processuais e o andamento eficiente do processo.
Nesta aula, foram discutidos aspectos importantes, como a prorrogação de competência, conexão, eleição de foro, prevenção e conflito de competência. Esses institutos não apenas organizam o funcionamento do Judiciário, mas também garantem a segurança jurídica, evitando decisões contraditórias e promovendo maior eficiência na tramitação dos processos.
O objetivo deste artigo é oferecer uma visão clara, objetiva e tecnicamente fundamentada, que auxilie na fixação dos conceitos e na aplicação prática desses conhecimentos, tanto em situações acadêmicas quanto no exercício profissional.
Prorrogação de Competência
A prorrogação de competência é um instituto processual que permite alterar a competência originalmente fixada, desde que esta seja relativa. Ou seja, ela não pode ocorrer nas hipóteses de competência absoluta, que estão diretamente relacionadas à matéria, à pessoa ou à função jurisdicional.
A prorrogação ocorre quando, por vontade das partes ou por omissão do réu em suscitar a incompetência relativa, transfere-se a competência de um juízo para outro que, em regra, não seria o originalmente competente.
Esse mecanismo tem como base a autonomia das partes em determinados aspectos do processo e a necessidade de adaptação da jurisdição para atender à conveniência das partes.
Competência Relativa vs. Absoluta
Para compreender a prorrogação, é essencial diferenciar competência relativa e competência absoluta:
Competência Absoluta
Trata de matérias que não podem ser modificadas pelas partes nem sofrer prorrogação. É fixada em razão da matéria (ex.: causas de família, sucessões), da função (ex.: competência originária de tribunais) ou da pessoa (ex.: causas que envolvem a Fazenda Pública, Ministério Público, etc.).
Pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, a qualquer tempo, e sua inobservância gera nulidade absoluta.
Competência Relativa
Relaciona-se a critérios territoriais (foro) e de valor da causa. Pode ser modificada pelas partes, seja por meio de cláusula de eleição de foro, seja pela ausência de manifestação do réu quanto à incompetência.
Neste caso, o silêncio do réu até a fase da contestação resulta na prorrogação da competência, tornando competente um juízo que, inicialmente, não seria.
Formas de Prorrogação
A prorrogação da competência pode ocorrer de duas formas principais:
a) Prorrogação Voluntária
Ocorre quando as partes, de comum acordo, escolhem, por meio de cláusula expressa em contrato escrito, qual será o foro competente para resolver eventuais litígios decorrentes daquele negócio jurídico. Este mecanismo está previsto no artigo 63 do Código de Processo Civil (CPC).
Exemplo: Duas empresas situadas em estados diferentes firmam um contrato e, nele, elegem o foro da cidade de Salvador/BA para dirimir quaisquer controvérsias, mesmo que nenhuma delas tenha domicílio ali.
Atenção: Essa escolha só é válida quando recai sobre competência relativa. Não pode modificar competência absoluta.
b) Prorrogação Legal (ou Necessária)
Acontece quando há determinação legal para reunir processos que tramitam em juízos diferentes, sempre que estiverem presentes os institutos da conexão ou continência, nos termos do artigo 54 do CPC.
Nesse caso, o juízo que primeiro recebeu uma das demandas torna-se o juízo prevento, competente para julgar todas as causas conexas, evitando decisões conflitantes e promovendo economia processual.
Conexão
O instituto da conexão está disciplinado no artigo 55 do Código de Processo Civil (CPC). Ela ocorre quando duas ou mais ações possuem em comum o pedido ou a causa de pedir.
Em termos simples, conexão é a relação existente entre processos que tratam de matérias semelhantes ou possuem fundamentos jurídicos ou fáticos iguais.
A conexão busca garantir a coerência do sistema judicial, evitando decisões contraditórias em processos que, embora formalmente distintos, tratam de temas substancialmente relacionados.
Exemplo: Imagine dois irmãos ajuizando, em comarcas diferentes, ações que questionam a validade do mesmo testamento. Como ambos os processos têm a mesma causa de pedir (a nulidade do testamento), existe conexão entre eles.
Efeitos da Conexão
A configuração da conexão gera efeitos relevantes no processo civil, sendo o mais importante a possibilidade de reunião dos processos para julgamento conjunto. Essa reunião visa:
Evitar decisões contraditórias, promovendo a segurança jurídica.
Racionalizar o uso da máquina judiciária, otimizando tempo, recursos e evitando retrabalho dos magistrados e das partes.
Prorrogar a competência, atribuindo ao juízo prevento — aquele que primeiro recebeu uma das ações — a competência para julgar todas as causas conexas. Isso se dá em consonância com o princípio da economia processual e da celeridade.
Portanto, a conexão não apenas organiza o fluxo processual, como também previne que haja decisões conflitantes que possam gerar insegurança ou descrédito no sistema judicial.
Continência
A continência é outro mecanismo processual destinado a organizar e evitar contradições nas decisões judiciais. De acordo com o artigo 56 do CPC, ela ocorre quando duas ações possuem as mesmas partes e a mesma causa de pedir, mas diferem quanto à extensão dos pedidos, sendo que um deles é mais abrangente que o outro.
Ou seja, a continência se caracteriza quando uma das demandas abrange totalmente o objeto da outra, adicionando algum pedido ou detalhe que não está presente na demanda menos abrangente.
Exemplo: Uma pessoa ajuíza uma ação de reconhecimento e dissolução de união estável, acumulando partilha de bens. A outra parte ingressa apenas com uma ação de reconhecimento da união estável. Ambas têm as mesmas partes e a mesma causa de pedir, mas a primeira demanda é mais ampla, pois inclui também a partilha dos bens.
Diferença entre Conexão e Continência
Embora sejam institutos semelhantes em sua finalidade — evitar decisões contraditórias —, a conexão e a continência possuem distinções técnicas importantes:
Conexão | Continência |
---|---|
Ocorre quando há identidade de pedido ou de causa de pedir. | Exige identidade total das partes e da causa de pedir, com diferença no pedido, sendo um mais abrangente. |
Não há exigência de que as partes sejam exatamente as mesmas. | As partes devem ser exatamente as mesmas nas duas ações. |
Finalidade: julgamento conjunto para evitar decisões conflitantes. | Finalidade: absorção da ação menos abrangente pela mais ampla, centralizando a competência no juízo da demanda mais abrangente. |
Eleição de Foro (Derrogação de Competência)
A eleição de foro, também conhecida como derrogação de competência, consiste em um acordo firmado entre as partes por meio de cláusula contratual, onde se define, de forma prévia, qual juízo será competente para resolver eventuais litígios oriundos daquele contrato.
Esse instituto permite às partes, dentro dos limites legais, escolherem o foro que consideram mais conveniente, desde que a competência seja relativa, ou seja, territorial ou em razão do valor.
Essa possibilidade está expressamente prevista no artigo 63 do Código de Processo Civil (CPC).
Regras para Validade
Para que a cláusula de eleição de foro tenha validade e produza efeitos, alguns requisitos obrigatórios precisam ser observados:
✅ Cláusula expressa: A eleição deve constar de forma clara, específica e escrita no contrato celebrado entre as partes.
✅ Acordo entre partes capazes: Apenas pessoas civilmente capazes podem pactuar a cláusula de eleição de foro.
✅ Objeto lícito e determinado: A cláusula deve referir-se a um contrato lícito e tratar de matéria que seja juridicamente possível e determinada.
Se presentes esses requisitos, o foro eleito vincula as partes, obrigando-as a ajuizar eventuais ações no juízo escolhido, salvo disposição legal em contrário.
Limitações
Apesar de sua ampla utilização, a eleição de foro não é absoluta e possui limitações impostas pela legislação processual:
❌ Não pode recair sobre competência absoluta: Se a matéria for de competência absoluta (em razão da matéria, da função ou da pessoa), as partes não podem alterá-la por convenção.
⚠️ Possibilidade de declaração de abusividade: Conforme estabelece o artigo 63, § 1º do CPC, o juiz pode, de ofício, considerar a cláusula de eleição de foro abusiva quando a escolha do foro causar evidente desequilíbrio entre as partes ou se caracterizar como instrumento de dificuldade de acesso à Justiça.
🛑 Desconsideração da cláusula: Se for declarada abusiva, o processo deverá ser remetido ao foro do domicílio do réu, restaurando-se a competência originalmente aplicável.
Prevenção (Juízo Prevento)
A prevenção é um critério que visa fixar a competência de um juízo em razão da prioridade temporal no ajuizamento ou distribuição da demanda.
Significa que o juízo que primeiro conhece de determinado processo ou de determinado ato processual torna-se prevento, ou seja, adquire preferência para julgar todas as ações futuras que estejam relacionadas ao mesmo objeto, às mesmas partes ou aos mesmos fundamentos.
Esse mecanismo tem como finalidade evitar decisões conflitantes, promover economia processual e garantir a coerência jurisdicional.
Fundamento Legal
O instituto da prevenção encontra respaldo nos seguintes dispositivos do Código de Processo Civil:
Art. 59: Define que a prevenção ocorre no momento da distribuição ou do primeiro ato de ajuizamento válido.
Art. 286: Determina os critérios para a distribuição por dependência, quando houver relação de conexão ou continência, bem como em casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, quando a parte intenta nova demanda com o mesmo objeto.
Portanto, a prevenção constitui um critério de fixação da competência dentro da mesma esfera de competência relativa, reforçando o princípio da segurança jurídica.
Exemplos
A compreensão da prevenção fica mais clara a partir de situações comuns no cotidiano forense:
Ações sobre os mesmos fatos: Quando uma parte ajuíza uma ação de divórcio, e posteriormente ingressa com uma ação de alimentos decorrente da mesma relação, esta última deve ser distribuída ao mesmo juízo que já está prevenido pela ação de divórcio.
Recursos no tribunal: Se um relator aprecia um agravo de instrumento em determinado processo, todos os recursos posteriores desse mesmo processo devem ser distribuídos a ele, por força da prevenção, garantindo unidade na apreciação dos temas recursais.
Extinção sem julgamento do mérito: Se um processo foi extinto sem análise do mérito e a parte ingressa novamente com ação sobre o mesmo objeto, a nova demanda será distribuída por dependência ao juízo anterior, que permanece prevento.
A prevenção, portanto, é um instrumento fundamental para garantir coerência, segurança jurídica e racionalidade no trâmite processual, assegurando que demandas relacionadas sejam apreciadas pelo mesmo juízo.
Conflito de Competência
O conflito de competência é um incidente processual que ocorre quando há dúvida ou controvérsia sobre qual juízo é competente para processar e julgar determinada demanda. Esse conflito surge quando dois ou mais juízos discordam sobre quem deve ou não exercer a jurisdição em determinado caso concreto.
É uma situação que compromete diretamente a regularidade e a continuidade do processo, uma vez que enquanto não houver definição clara sobre quem é o juízo competente, o andamento da demanda fica prejudicado.
O artigo 66 do Código de Processo Civil (CPC) disciplina de forma expressa esse instituto.
Tipos de Conflito
O conflito de competência pode se manifestar em duas modalidades distintas:
Conflito Positivo de Competência: Quando dois ou mais juízes se declaram competentes para processar e julgar a mesma demanda. Nesse cenário, há um sobreposição de atuações jurisdicionais, o que pode gerar insegurança e decisões conflitantes.
Conflito Negativo de Competência: Quando dois ou mais juízes se declaram incompetentes para apreciar a causa. Aqui, o risco é de que o processo fique sem andamento, uma vez que nenhum juízo se reconhece apto para julgar o feito.
Ambas as situações comprometem a efetividade da tutela jurisdicional e demandam uma solução célere e segura por parte do Poder Judiciário.
Solução do Conflito
A resolução dos conflitos de competência é de responsabilidade dos Tribunais Superiores, de acordo com a hierarquia do órgão onde os juízos conflitantes estão vinculados:
Tribunal de Justiça (TJ): Conflitos entre juízos estaduais dentro do mesmo estado.
Tribunal Regional Federal (TRF): Conflitos entre juízos federais da mesma região.
Superior Tribunal de Justiça (STJ): Conflitos entre juízo estadual e juízo federal, ou entre tribunais diferentes.
O procedimento ocorre da seguinte forma:
O incidente é distribuído a um relator, que poderá, nos termos do artigo 955 do CPC, decidir monocraticamente (sozinho) se houver jurisprudência dominante, súmula vinculante ou tese firmada em julgamento repetitivo.
Na ausência desses elementos, o conflito será submetido à câmara ou turma competente do tribunal, que decidirá de forma colegiada.
A decisão do tribunal indicará de forma definitiva qual é o juízo competente para processar e julgar a demanda, além de definir a validade dos atos eventualmente praticados por juízos incompetentes.
Portanto, o conflito de competência é um instrumento essencial para garantir a correta distribuição da jurisdição, evitando paralisações e inseguranças no andamento processual.
Conclusão
As Anotações Acadêmicas de 20/05/2025 reforçam a importância de compreender profundamente os critérios de competência no Direito Processual Civil. A definição correta da competência não é um mero detalhe técnico, mas um elemento fundamental que garante:
✅ A validade dos atos processuais.
✅ Aceleramento na tramitação dos processos.
✅ Prevenção de nulidades e retrabalho.
✅ Maior segurança jurídica para as partes.
Estudar institutos como prorrogação de competência, conexão, continência, eleição de foro, prevenção e conflito de competência é essencial para qualquer operador do Direito, desde estudantes em formação até advogados e membros do Poder Judiciário.
O domínio desses temas não apenas aprimora a atuação profissional, como também assegura a efetividade da tutela jurisdicional, promovendo um sistema de justiça mais organizado, eficiente e coerente.
👉 Na próxima aula, daremos continuidade ao estudo da Teoria Geral do Processo, abordando os temas de “Partes e Procuradores” — um conteúdo igualmente essencial para entender quem são os sujeitos do processo e quais são os poderes, deveres e limitações de sua atuação no âmbito jurisdicional.
Referências Bibliográficas
- DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. Vol. 1. 27. ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora JusPodivm, 2025.
- BRASIL. Código Civil: Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Série Legislação Seca. 8. ed., 2. tiragem. Leme/SP: Imaginativa Jus, 2024.
- CÂMARA, Alexandre Freitas. Manual de direito processual civil. 2. ed. Barueri, SP: Atlas, 2023.
- SÁ, Renato Montans de. Manual de direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
- BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 8. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022.
- GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil. Coord. Pedro Lenza. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022. (Coleção Esquematizado®).