Sentidos da Constituição: Análise Jurídica e Filosófica

A Constituição pode ser interpretada sob diferentes prismas – jurídico, político e filosófico – cada um deles revelando aspectos únicos e essenciais para o entendimento completo do texto constitucional. Este artigo mergulha nesses múltiplos sentidos, oferecendo uma análise detalhada que mostra como essas diferentes perspectivas contribuem para uma interpretação mais rica e complexa do Direito, influenciando diretamente a aplicação da lei e a organização do Estado.
Sentidos da Constituição

O que você verá neste post

Os sentidos da Constituição são amplos e multifacetados, refletindo as diferentes maneiras pelas quais ela pode ser interpretada e aplicada em um Estado. 

Mais do que um simples texto legal, a Constituição representa uma síntese das forças políticas, sociais, jurídicas e históricas que moldam a sociedade. Dependendo da perspectiva adotada, esses sentidos podem variar significativamente, influenciando diretamente a estrutura do poder, a proteção dos direitos fundamentais e a organização do Estado.

Neste artigo, vamos explorar essas múltiplas facetas, desde as abordagens sociológicas e políticas até os aspectos jurídicos e históricos, além de discutir as distinções entre os sentidos material e formal da Constituição.

O Sentido Sociológico da Constituição

O sentido sociológico da Constituição é amplamente associado às ideias de Ferdinand Lassalle, que concebeu a Constituição como a soma dos fatores reais de poder dentro de uma sociedade

Segundo Lassalle, a verdadeira Constituição de um país não está no texto jurídico, mas na realidade social, refletindo a correlação de forças entre os grupos que exercem o poder. 

Em sua famosa conferência intitulada O que é uma Constituição?, Lassalle sustentou que uma Constituição escrita, que não esteja alinhada com os fatores reais de poder de uma sociedade, seria meramente uma “folha de papel”, sem eficácia prática.

Nessa concepção, a Constituição vai além das palavras formalmente escritas e se encontra enraizada nas relações de poder que dominam a sociedade. Em outras palavras, a verdadeira Constituição de uma nação é formada pela dinâmica de forças sociais, políticas e econômicas. 

Para exemplificar, se a elite econômica ou militar de um país exerce um controle significativo sobre as decisões políticas, esses grupos, de fato, constituem a “real” Constituição, ainda que o texto legal possa apontar para uma divisão de poderes ou uma democracia formal.

Lassalle nos convida a olhar para além das normas jurídicas e a compreender a Constituição como um reflexo da realidade social. Essa abordagem sociológica nos oferece uma visão crítica sobre como o poder é realmente distribuído e exercido dentro de um Estado, destacando as disparidades entre o texto normativo e a prática social efetiva.

O Sentido Político da Constituição

Carl Schmitt, um dos principais juristas do século XX, desenvolveu uma visão política da Constituição. Para Schmitt, a Constituição é a decisão política fundamental que organiza a estrutura básica de um Estado. 

Ele defende que a Constituição não é simplesmente um conjunto de normas, mas uma expressão da vontade do poder constituinte, ou seja, aquele que tem a capacidade de decidir sobre as questões políticas mais fundamentais, como a forma do governo, a separação dos poderes e a organização dos direitos fundamentais.

Schmitt sugere que o poder constituinte é o poder soberano que funda a ordem jurídica e política de um Estado. A Constituição, nesse sentido, é um ato de soberania, uma decisão política essencial que determina a forma e os princípios estruturais do Estado. Em outras palavras, ela é o resultado da vontade política de uma comunidade organizada.

No Brasil, por exemplo, a Constituição de 1988, conhecida como a “Constituição Cidadã”, foi o resultado de uma decisão política fundamental após o fim da ditadura militar. Ela marcou uma transição política significativa, estabelecendo as bases para a democracia e a proteção dos direitos fundamentais. 

Esse momento reflete exatamente o que Schmitt descreve: uma decisão política essencial que redefine a ordem constitucional de uma nação.

O Sentido Jurídico da Constituição

Hans Kelsen, um dos mais influentes teóricos do direito, ofereceu uma visão puramente jurídica da Constituição. Na sua Teoria Pura do Direito, Kelsen define a Constituição como a norma fundamental (Grundnorm) do ordenamento jurídico, da qual derivam todas as outras normas. 

Para ele, a Constituição não é apenas um conjunto de regras, mas sim a base de validade para todo o sistema jurídico de um Estado.

A Constituição, no sentido jurídico, é a norma suprema que organiza o Estado e estabelece os direitos e deveres fundamentais dos cidadãos. Toda norma infraconstitucional deve estar em conformidade com a Constituição para ser considerada válida. 

Assim, Kelsen separa claramente o direito da política e da sociologia, focando exclusivamente na normatividade jurídica da Constituição.

Essa abordagem é particularmente relevante no Brasil, onde o controle de constitucionalidade das leis é uma prática consolidada. O Supremo Tribunal Federal (STF) exerce um papel central na interpretação da Constituição, garantindo que as leis e atos normativos sejam compatíveis com os princípios constitucionais. 

Portanto, a supremacia da Constituição, nesse sentido, é fundamental para a manutenção da ordem jurídica e da proteção dos direitos dos cidadãos.

O Sentido Histórico da Constituição

O sentido histórico da Constituição enfatiza seu caráter como produto das lutas sociais e políticas de uma nação. Essa perspectiva reconhece que as Constituições não surgem de maneira arbitrária, mas são moldadas pelos eventos históricos, como revoluções, guerras, e movimentos sociais. 

Portanto, cada Constituição é um reflexo do contexto histórico no qual foi criada, respondendo às demandas políticas e sociais da época.

Por exemplo, a Constituição dos Estados Unidos de 1787 foi o resultado de um contexto histórico específico, marcado pela luta pela independência das colônias americanas e a necessidade de criar uma nova ordem política e jurídica.

De maneira semelhante, a Constituição brasileira de 1988 foi moldada pelo período de redemocratização do país, após 21 anos de regime militar. Ela incorporou diversas demandas sociais, como a proteção dos direitos humanos e a ampliação dos direitos sociais.

Esse sentido histórico destaca que as Constituições são documentos vivos, sujeitos a transformações ao longo do tempo, conforme as sociedades evoluem. 

Mudanças constitucionais, emendas e revisões são respostas às novas realidades políticas e sociais, e refletem a contínua adaptação das instituições às demandas da população.

Sentidos Material e Formal da Constituição

Os sentidos material e formal da Constituição trazem uma diferenciação importante para a compreensão do documento constitucional. 

O sentido material refere-se ao conteúdo das normas que compõem a Constituição. Ele engloba as normas que tratam da estrutura do Estado, dos direitos e deveres fundamentais, e da organização dos poderes. Este é o aspecto substancial da Constituição, que define como o Estado se organiza e quais direitos são assegurados aos cidadãos.

Por outro lado, o sentido formal refere-se ao documento escrito que contém essas normas, ou seja, o texto constitucional propriamente dito. Esse sentido enfatiza o aspecto formal e jurídico da Constituição como uma lei suprema e fundamental do Estado. 

No Brasil, a Constituição de 1988 representa o marco jurídico formal que rege a organização do Estado e os direitos dos cidadãos.

Essa distinção entre os sentidos material e formal é fundamental, pois muitas vezes as discussões constitucionais se concentram no texto escrito (aspecto formal), mas o conteúdo material da Constituição pode evoluir por meio de interpretações, emendas e decisões judiciais. 

O STF, por exemplo, tem um papel essencial na interpretação do conteúdo material da Constituição, adaptando-a às novas realidades sociais sem alterar o texto formal.

Conclusão

Os diferentes sentidos da Constituição nos mostram que ela não pode ser vista apenas como um documento legal rígido e imutável. Ela é uma construção dinâmica, que reflete não apenas as normas jurídicas, mas também as realidades políticas, sociais e históricas de uma sociedade.

A compreensão desses diferentes sentidos – sociológico, político, jurídico, histórico, material e formal – é essencial para uma análise mais profunda e abrangente da Constituição e de seu papel na sociedade.

A Constituição é, portanto, ao mesmo tempo, um texto normativo e uma expressão das forças e dinâmicas sociais em constante evolução. A partir de uma análise multifacetada, podemos entender melhor como as Constituições se formam, se desenvolvem e influenciam a vida dos cidadãos e a organização dos Estados.

Se você deseja aprofundar seus conhecimentos sobre o direito constitucional e suas múltiplas dimensões, continue estudando e refletindo sobre a história e a teoria constitucional. Isso permitirá uma compreensão mais ampla e crítica do papel das Constituições nas sociedades modernas.

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