O que você verá neste post
Introdução
As anotações acadêmicas de 28/05/2025 trazem uma análise aprofundada e didática sobre um dos temas mais relevantes da Parte Geral do Direito Penal: a extinção da punibilidade.
Trata-se de um tópico essencial para compreender os limites do poder punitivo estatal e os mecanismos legais que impedem ou encerram a aplicação de sanções penais.
Em sua essência, a punibilidade representa o direito do Estado de impor sanções àquele que pratica uma infração penal. Entretanto, diversas circunstâncias podem tornar esse direito inaplicável, seja pela passagem do tempo (prescrição), por clemência estatal (anistia, graça ou indulto), ou até pela revogação da norma penal (abolitio criminis).
Quando ocorre a extinção da punibilidade, o Estado perde a legitimidade para aplicar a pena, mesmo que o crime em si tenha existido e tenha sido comprovado.
No contexto do ordenamento jurídico brasileiro, compreender a importância da extinção da punibilidade é fundamental não apenas para estudantes de Direito, mas também para profissionais da área penal e demais operadores do sistema de Justiça.
A aplicação correta das causas extintivas evita abusos, assegura a legalidade e fortalece o princípio da segurança jurídica, que é um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
Este artigo tem como objetivo explicar, com base nas anotações de aula e nos fundamentos legais e doutrinários, as principais causas, efeitos e implicações da extinção da punibilidade.
A proposta é apresentar os diferentes tipos de extinção da punibilidade, suas consequências jurídicas e os entendimentos mais atualizados da jurisprudência, em linguagem clara, acessível e tecnicamente precisa.
A partir disso, será possível compreender como o Direito Penal equilibra o dever de punir com os direitos e garantias fundamentais do acusado.
Conceito e Estrutura do Crime no Direito Penal
Para compreender a extinção da punibilidade, é imprescindível retomar os fundamentos da estrutura do crime segundo a dogmática penal. O conceito analítico de crime é utilizado pela doutrina para desmembrar o fenômeno criminoso em elementos essenciais, possibilitando sua identificação e análise com base em critérios técnico-jurídicos.
Teorias sobre o conceito analítico de crime
Tradicionalmente, o crime é concebido, sob a ótica da teoria tríplice (ou tripartida), como um fato típico, ilícito e culpável. Esses três elementos formam a base do conceito analítico adotado majoritariamente pela doutrina penal brasileira.
A presença simultânea dos três aspectos é condição necessária para que determinada conduta seja considerada crime.
Contudo, há também a chamada teoria quadripartida, que propõe um quarto elemento: a punibilidade. Para essa corrente doutrinária, um comportamento só pode ser classificado juridicamente como crime se, além de típico, ilícito e culpável, for passível de punição.
A punibilidade, portanto, seria um elemento constitutivo do crime, e não apenas um pressuposto para aplicação da pena.
Apesar dessa distinção, prevalece no Brasil a adoção da teoria tripartida, considerando a punibilidade como um mero pressuposto de aplicação da pena, e não como um componente essencial do crime.
Isso significa que a infração penal permanece existente, mesmo quando ocorrem causas que impedem ou extinguem a punição, como a prescrição ou o falecimento do agente.
A punibilidade como pressuposto da pena
Na perspectiva majoritária, a punibilidade não integra a estrutura do crime, mas figura como condição necessária para o exercício da pretensão punitiva do Estado.
Em outras palavras, ainda que o fato típico, ilícito e culpável esteja presente, não será possível aplicar sanção penal se houver alguma causa que extinga a punibilidade.
Por exemplo, se um agente comete um crime, mas vem a falecer antes da sentença penal condenatória definitiva, o Estado perde automaticamente o direito de punir — mesmo que o crime tenha sido comprovado.
Nessa hipótese, o fato criminoso existiu, mas não poderá mais ser sancionado penalmente, justamente porque a punibilidade foi extinta.
Esse entendimento é fundamental para diferenciar a existência do crime da possibilidade de sua punição. A distinção ajuda a compreender por que a extinção da punibilidade não apaga o crime em si, exceto em casos específicos como a abolitio criminis, que será detalhada mais adiante.
Extinção da Punibilidade: Conceito Geral
A extinção da punibilidade consiste na perda do direito de o Estado aplicar sanção penal a um agente, mesmo que este tenha cometido um fato típico, ilícito e culpável.
Trata-se de um fenômeno jurídico que atua sobre a punibilidade e, portanto, não elimina a existência do crime, salvo em hipóteses excepcionais.
Distinção entre crime e punibilidade
Conforme explorado nas anotações acadêmicas de 28/05/2025, a doutrina penal dominante separa nitidamente o crime da punibilidade. O crime é composto por seus elementos objetivos e subjetivos — fato típico, ilicitude e culpabilidade —, ao passo que a punibilidade é considerada uma condição para a imposição da pena.
Desse modo, a extinção da punibilidade não altera o reconhecimento da infração penal, a não ser em situações excepcionais em que o próprio fato perde sua tipicidade penal, como nos casos de abolitio criminis e anistia.
Em regra, mesmo após a extinção da punibilidade, o fato continua sendo juridicamente considerado crime, com todas as suas implicações extrapenais, como a reparação do dano na esfera cível.
Fundamento constitucional e legal
O Código Penal Brasileiro, em seu art. 107, traz um rol exemplificativo das causas que extinguem a punibilidade. Isso significa que o legislador não esgota as hipóteses possíveis nesse artigo, permitindo que outras causas previstas em leis especiais ou mesmo reconhecidas pela jurisprudência também sejam admitidas.
As principais hipóteses expressas no artigo 107 do CP são:
Morte do agente
Anistia, graça ou indulto
Abolitio criminis
Prescrição, decadência ou perempção
Renúncia ao direito de queixa ou perdão aceito (nos crimes de ação penal privada)
Perdão judicial
Além dessas, há decisões judiciais e interpretações doutrinárias que reconhecem outras formas de extinção da punibilidade, com base em princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, a razoável duração do processo e a legalidade estrita.
Momento da ocorrência
Outro ponto fundamental é o momento em que ocorre a extinção da punibilidade, que pode se dar:
Antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, afetando a pretensão punitiva do Estado.
Após o trânsito em julgado, atingindo a pretensão executória, ou seja, o direito do Estado de executar a pena já imposta.
Como consequência, a natureza e os efeitos da extinção da punibilidade variam de acordo com esse marco temporal. A extinção da pretensão punitiva, por exemplo, elimina todos os efeitos penais da condenação, inclusive a possibilidade de reincidência e o uso do título executivo na esfera cível.
Já a extinção da pretensão executória — com exceção da anistia e abolitio criminis — apaga apenas o efeito principal (a pena), mantendo os efeitos secundários.
Efeitos jurídicos
Os efeitos da extinção da punibilidade são classificados conforme sua abrangência:
Extinção total dos efeitos penais: ocorre quando a causa incide sobre a pretensão punitiva. Nesses casos, a sentença condenatória não poderá ser utilizada para fins de reincidência, nem como título executivo no juízo cível.
Extinção apenas da pena: quando a causa incide sobre a pretensão executória, permanecendo os efeitos secundários da condenação.
Segundo a Súmula 631 do STJ, “o indulto extingue apenas os efeitos primários da condenação, subsistindo os efeitos secundários, penais e extrapenais.” Este entendimento reafirma a importância de distinguir o momento e a natureza da causa extintiva.
Modalidades de Extinção da Punibilidade
As anotações acadêmicas de 28/05/2025 destacam que a extinção da punibilidade pode ocorrer por diversas causas, classificadas segundo o momento em que incidem e a fase do direito de punir que atingem: pretensão punitiva, pretensão executória ou ambas.
A seguir, detalhamos cada uma dessas modalidades, com fundamento no art. 107 do Código Penal e nas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais vigentes.
Causas que atingem a pretensão punitiva
Essas causas operam antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Eliminam o direito de o Estado prosseguir com a persecução penal e anulam todos os efeitos penais da eventual condenação. Entre elas, destacam-se:
a) Decadência
É a perda do direito de propor a ação penal privada ou pública condicionada à representação, por inércia da vítima ou de seu representante legal. O prazo é de 6 meses, contados a partir do conhecimento da autoria do fato (Art. 38 do CPP).
b) Perempção
Aplicável exclusivamente à ação penal privada, ocorre quando o querelante é omisso, por exemplo:
Deixar de promover o andamento do processo por mais de 30 dias.
Não comparecer injustificadamente a ato do processo.
Extinção da pessoa jurídica querelante sem sucessor.
c) Renúncia ao direito de queixa
É a manifestação voluntária da vítima em não querer processar o autor do crime. Se houver concurso de pessoas, a renúncia em relação a um se estende a todos (Art. 49 do CP).
d) Perdão aceito
Trata-se do perdão concedido após o ajuizamento da ação penal privada, que depende de aceitação pelo querelado. É ato bilateral e também se estende a todos os corréus se aceito.
e) Retratação
Possível em casos específicos, como calúnia, difamação e falso testemunho (arts. 143 e 342, §2º, do CP). Deve ser espontânea, irrestrita e anterior à sentença condenatória.
f) Perdão judicial
Permite ao juiz deixar de aplicar a pena, mesmo diante da configuração do crime, quando as consequências do fato forem graves o bastante por si sós. Aplica-se, por exemplo, em casos de acidente de trânsito com morte de ente próximo.
Causas que atingem a pretensão executória
Ocorrem após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, quando o Estado já não busca a condenação, mas sim a execução da pena imposta. Essas causas extinguem a pena, mas mantêm os efeitos secundários da condenação, como a reincidência e o uso como título executivo.
a) Graça
Benefício individual concedido pelo Presidente da República, por decreto, a um condenado específico. Extingue a pena principal, mas não afasta os efeitos secundários, conforme a Súmula 631 do STJ.
b) Indulto
Clemência coletiva, também concedida por decreto presidencial. Pode ser total (extingue toda a pena) ou parcial (reduz pena ou comuta por outra). É considerado uma “graça coletiva”.
c) Sursis e Livramento Condicional
Ao descumprirem condições legais ou por prazo decorrido, podem gerar extinção da punibilidade nos termos dos arts. 77 a 90 do CP.
Causas que atingem ambas as pretensões (dependendo do momento)
a) Morte do agente
Extingue todos os efeitos penais. Comprova-se por certidão de óbito. Aplica-se inclusive a pessoas jurídicas em casos excepcionais, transferindo a responsabilidade civil à sucessora.
b) Anistia
Esquecimento jurídico da infração, concedido por lei ordinária do Congresso Nacional. Atinge o fato e não as pessoas, com efeitos ex tunc. Pode ser geral, parcial, própria, imprópria, condicionada ou incondicionada. Não se aplica a crimes hediondos ou equiparados (CF, art. 5º, XLIII).
c) Abolitio criminis
Quando uma nova lei penal revoga o tipo penal anterior, eliminando formal e materialmente a incriminação. Os efeitos penais cessam integralmente, mesmo após o trânsito em julgado.
d) Prescrição
Atinge o direito de punir do Estado em razão do decurso do tempo, conforme os prazos do art. 109 do CP. Divide-se em:
Prescrição da pretensão punitiva: antes do trânsito em julgado;
Prescrição da pretensão executória: após o trânsito em julgado.
As modalidades incluem:
Prescrição em abstrato (propriamente dita)
Prescrição retroativa
Prescrição superveniente (intercorrente)
Há ainda situações de suspensão e interrupção da prescrição, além de redução de prazo para menores de 21 anos e maiores de 70, conforme art. 115 do CP.
Princípios aplicáveis e jurisprudência relevante
O tema é norteado por princípios constitucionais e penais, como:
Legalidade
Segurança jurídica
Proporcionalidade
Dignidade da pessoa humana
Princípio da consunção – quando a extinção da punibilidade do crime-fim atinge o crime-meio, como no caso do descaminho precedido de falsidade ideológica.
Destaque para o Informativo 841 do STJ (2025), que reconheceu a prescrição da pretensão punitiva com base em erro na suspensão automática de prazos, reforçando a exigência de decisão judicial expressa para isso.
Efeitos da Extinção da Punibilidade
As anotações acadêmicas de 28/05/2025 destacam que a extinção da punibilidade não implica necessariamente o desaparecimento do crime ou de seus reflexos jurídicos. O que se extingue, em regra, é a possibilidade de o Estado impor ou executar a pena.
Contudo, os efeitos dessa extinção variam conforme a causa e o momento em que ela ocorre, podendo atingir total ou parcialmente as consequências da condenação penal.
Efeitos principais e efeitos secundários da condenação
A sentença penal condenatória gera dois tipos de efeitos:
a) Efeitos principais (Art. 5º, XLVI da CF e Art. 91 do CP)
Imposição da pena: privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa;
Aplicação de medida de segurança, no caso de inimputáveis perigosos.
b) Efeitos secundários
De natureza penal (art. 63 e seguintes do CP):
Reincidência
Impedimento à concessão do sursis
Revogação de benefícios penais
Fixação de regime mais gravoso
De natureza extrapenal:
Obrigação de reparar o dano
Confisco de bens (art. 91, I e II do CP)
Perda do cargo ou função pública (art. 92 do CP)
Incapacidade para o exercício do poder familiar
Inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado no crime doloso
Importante: os efeitos genéricos são automáticos, enquanto os específicos dependem de expressa previsão na sentença.
Efeitos das causas que atingem a pretensão punitiva
Quando a extinção da punibilidade ocorre antes do trânsito em julgado da sentença, os efeitos são mais amplos:
Eliminação total dos efeitos penais da condenação.
O fato não poderá gerar reincidência.
A condenação não serve como título executivo judicial na área cível.
O réu não poderá ser impedido de obter benefícios penais em processos futuros.
Segundo o professor, isso ocorre porque essas causas — como decadência, perdão, perdão judicial e retratação — impedem o nascimento de uma sentença penal definitiva.
Efeitos das causas que atingem a pretensão executória
Quando a causa atua após o trânsito em julgado, extingue apenas o efeito principal da pena, mas os efeitos secundários subsistem, conforme a Súmula 631 do STJ:
O condenado pode ser considerado reincidente, se cometer novo crime.
A sentença pode ser usada para justificar fixação de regime fechado.
Gera maus antecedentes, podendo influenciar futuras decisões judiciais.
A condenação pode ser usada como título executivo cível, por exemplo, para indenizações.
Isso ocorre, por exemplo, nos casos de graça, indulto, sursis e livramento condicional, salvo abolitio criminis e anistia, que têm efeitos mais amplos.
Casos em que os efeitos penais e extrapenais são totalmente extintos
As causas que suprimem o tipo penal ou apagam a própria ilicitude do fato têm efeitos plenos:
Anistia: apaga os efeitos penais, mas não os civis. Não gera reincidência.
Abolitio criminis: elimina a tipicidade penal, tornando o fato atípico retroativamente.
Morte do agente: extingue todos os efeitos penais e a punibilidade.
Essas causas anulam não apenas o direito de punir, mas também a natureza criminosa do fato, nos termos da jurisprudência consolidada do STF e STJ.
Jurisprudência ilustrativa
a) STJ – Info. 841/2025
O STJ reconheceu que, sem decisão judicial formal de suspensão, o prazo prescricional corre normalmente. A ausência dessa formalidade resultou no reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, mesmo após denúncia por crime grave, reforçando a segurança jurídica e o respeito aos prazos legais.
b) STF – ADI 7390/DF (Info. 1166)
O STF validou decreto presidencial que concedia indulto natalino com base em critérios objetivos e não arbitrários, ainda que considerando os crimes de forma individual em casos de concurso. A Corte afirmou a legitimidade do exercício do poder de clemência nos limites constitucionais.
Causas Legais de Extinção da Punibilidade (Art. 107 do CP)
O artigo 107 do Código Penal Brasileiro apresenta um rol exemplificativo das hipóteses em que a punibilidade é extinta. Isso significa que, além das causas ali elencadas, outras podem ser reconhecidas por leis especiais ou pela interpretação jurisprudencial consolidada.
As anotações acadêmicas de 28/05/2025 reforçam a importância da leitura técnica e atualizada desse artigo para a correta aplicação das causas extintivas.
A seguir, examinamos cada uma das hipóteses legais previstas no dispositivo:
Morte do agente
A morte do agente extingue automaticamente a punibilidade, pois o direito penal não se transmite. Essa causa de extinção é fundamentada no princípio da personalidade da pena e no aforismo latino mors omnia solvit (“a morte tudo apaga”).
Segundo Mirabete, essa causa pode ser aplicada também às pessoas jurídicas, nos crimes que elas podem praticar, como os ambientais. Nesse caso, a responsabilidade cível pode ser transferida à sucessora.
Anistia
A anistia é o “esquecimento jurídico” de um fato criminoso, concedido por lei ordinária, com efeitos retroativos (ex tunc). Não se refere a pessoas, mas ao fato. É competência do Congresso Nacional e pode ser concedida antes ou depois do trânsito em julgado.
Espécies:
Própria: antes da condenação
Imprópria: após a condenação
Condicionada/Incondicionada
Geral ou Parcial
A anistia não se aplica a crimes hediondos e equiparados, como o tráfico de drogas, tortura e terrorismo, conforme art. 5º, XLIII, da Constituição Federal.
Graça e Indulto
a) Graça
Benefício individual, concedido por decreto presidencial, com possibilidade de delegação ao Ministro de Estado, PGR ou AGU (art. 84, parágrafo único, da CF). A graça depende de requerimento e pode ser recusada pelo juiz.
b) Indulto
Espécie de “graça coletiva”, concedida de ofício pelo Presidente da República. Geralmente formalizado por decretos anuais (ex: indulto natalino). Ambos extinguem a pena principal, mas mantêm os efeitos secundários da condenação.
A jurisprudência admite a aplicação do indulto mesmo em crimes em concurso, desde que se respeitem os requisitos formais da pena individualmente considerada, conforme decidido pelo STF na ADI 7390/DF.
Abolitio criminis
A abolitio criminis ocorre quando uma lei nova descriminaliza uma conduta. Envolve a revogação formal e material do tipo penal, e seus efeitos são amplos:
Cessa a execução da pena e seus efeitos penais.
Não gera reincidência.
Aplica-se retroativamente, inclusive para fatos já julgados.
Diferencia-se da mera alteração legislativa. Nos casos em que o tipo penal é “absorvido” por outro (como o atentado violento ao pudor pelo novo tipo de estupro), não há abolitio criminis, mas sim continuidade normativo-típica.
Prescrição, decadência ou perempção
Já abordadas em seção anterior, essas causas possuem regulamentação própria e fundamentos distintos:
Prescrição: perda do direito de punir pelo decurso do tempo.
Decadência: perda do direito de ação privada ou pública condicionada.
Perempção: sanção processual ao querelante omisso.
A prescrição subdivide-se em pretensão punitiva e executória, com modalidades como prescrição retroativa, intercorrente e em abstrato. Há causas suspensivas e interruptivas, além de reduções de prazo para determinadas faixas etárias, conforme art. 115 do CP.
Renúncia ao direito de queixa ou perdão aceito
Aplica-se aos crimes de ação penal privada:
Renúncia: desistência prévia ao ajuizamento da queixa.
Perdão aceito: manifestação posterior, aceita pelo querelado, extinguindo a punibilidade.
Ambos os institutos são irrevogáveis após sua aceitação e se estendem a todos os envolvidos, se houver concurso de pessoas.
Perdão judicial
A hipótese de perdão judicial autoriza o juiz a reconhecer a existência do crime, mas deixar de aplicar a pena, quando as consequências da infração forem suficientemente graves. Exemplo clássico: pai que, por culpa, provoca a morte de seu próprio filho em acidente doméstico.
Casos Especiais
Algumas situações no Direito Penal exigem uma análise mais cuidadosa quanto à extinção da punibilidade, sobretudo nos casos em que há mais de um crime envolvido ou relações jurídicas complexas.
Nesta seção, abordamos três situações específicas: crimes acessórios, crimes complexos e crimes conexos, além do princípio da consunção.
Crimes acessórios
Crimes acessórios são aqueles que dependem de outro crime principal para existir. A existência do delito acessório está condicionada à prática prévia de um crime-base. Exemplo clássico: receptação, que exige como pressuposto um crime anterior que tenha gerado o bem receptado.
A dúvida recorrente é: se o crime principal tem sua punibilidade extinta, o crime acessório também é extinto? A resposta, segundo a doutrina majoritária e o entendimento jurisprudencial consolidado, é não.
Regra: A extinção da punibilidade do crime principal não se estende ao crime acessório.
Assim, mesmo que o autor do crime-base não possa mais ser punido (por exemplo, em razão da prescrição), o autor do crime acessório (como o receptador) ainda poderá ser processado e condenado, desde que configurada a tipicidade de sua conduta.
Crimes complexos
Um crime complexo resulta da fusão de dois ou mais delitos em um novo tipo penal autônomo, criado pelo legislador. A tipificação exige a prática conjunta de dois comportamentos criminosos.
Exemplo: o latrocínio (roubo seguido de morte) é um crime complexo formado pelos tipos de roubo e homicídio.
Nesses casos, mesmo que um dos componentes seja atingido por uma causa extintiva de punibilidade, o crime complexo permanece. A extinção da punibilidade de uma das partes não descaracteriza o todo:
“A extinção da punibilidade da parte (um dos crimes) não alcança o todo“.
Crimes conexos
A conexão penal ocorre quando dois ou mais crimes são praticados em condições que justificam sua tramitação conjunta, por razões de prova, conveniência ou conexão lógica.
Um exemplo é quando um deputado federal e um civil praticam o mesmo crime em coautoria: ambos devem ser julgados pelo STF, devido ao foro privilegiado do parlamentar.
A extinção da punibilidade de um dos crimes conexos não afeta o outro e não impede a aplicação da agravante da conexão, prevista no art. 108 do CP:
“A extinção da punibilidade de um dos crimes conexos não impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da conexão.”
Assim, mesmo que um dos acusados tenha sua punibilidade extinta, o outro pode ser julgado normalmente, e a conexão será considerada para fins de agravamento da pena.
Princípio da consunção
O princípio da consunção aplica-se quando um crime é meio necessário ou preparatório para a prática de outro, absorvendo-se o primeiro pelo segundo. Exemplo: o sujeito falsifica um documento com o único objetivo de praticar descaminho. Neste caso, a falsidade ideológica é absorvida pelo crime-fim, conforme julgado pelo STJ (Info. 523):
“A extinção da punibilidade do crime-fim atinge o direito de punir do Estado em relação ao crime-meio”.
Essa é uma exceção à regra geral, pois aqui, sim, o crime acessório (ou meio) pode deixar de ser punido em razão da extinção da punibilidade do crime-fim, desde que comprovada a relação de subordinação entre ambos.
Continuidade normativo-típica
É importante distinguir entre abolitio criminis e situações em que a conduta deixa de estar prevista em um artigo, mas é incorporada a outro tipo penal. Isso ocorre, por exemplo, quando o crime de atentado violento ao pudor foi revogado e fundido com o tipo penal do estupro.
Nesses casos, não há extinção da punibilidade, pois o fato permanece tipificado, apenas sob outra redação normativa. É o chamado princípio da continuidade normativo-típica, que impede a aplicação da abolitio criminis.
Modalidades de Prescrição
A prescrição penal é uma das mais tradicionais causas de extinção da punibilidade, prevista no art. 107, inciso IV, do Código Penal. Trata-se da perda do direito de o Estado punir o autor de um crime em razão do decurso do tempo.
A prescrição atua como limite temporal ao poder punitivo estatal, assegurando a efetividade da justiça e evitando punições tardias e ineficazes.
As anotações acadêmicas de 28/05/2025 detalham as diferentes modalidades de prescrição, classificadas de acordo com o momento processual em que atuam e sua natureza jurídica.
Tipos de Prescrição
a) Prescrição da pretensão punitiva (PPP)
Ocorre antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória e impede que o Estado obtenha uma condenação válida. Divide-se em:
PPP em abstrato (propriamente dita): calculada com base na pena máxima em abstrato prevista para o delito (Art. 109 do CP).
PPP retroativa: ocorre após a sentença condenatória, mas com base na pena concreta aplicada, retroagindo para verificar se já havia decorrido o prazo prescricional entre o recebimento da denúncia e a sentença.
PPP superveniente (intercorrente): ocorre entre a publicação da sentença condenatória e o trânsito em julgado para ambas as partes, levando em conta a pena efetiva aplicada.
Todas essas modalidades eliminam os efeitos penais da condenação, incluindo reincidência e título executivo.
b) Prescrição da pretensão executória (PPE)
Ocorre após o trânsito em julgado da condenação, quando a pena já foi fixada e o Estado perde o direito de executá-la. Os efeitos secundários da sentença permanecem, inclusive a possibilidade de reincidência.
Prazos prescricionais (Art. 109 do CP)
Os prazos são definidos pela pena máxima ou efetivamente aplicada, conforme a modalidade:
Pena aplicada | Prazo prescricional |
---|---|
Superior a 12 anos | 20 anos |
> 8 até 12 anos | 16 anos |
> 4 até 8 anos | 12 anos |
> 2 até 4 anos | 8 anos |
> 1 até 2 anos | 4 anos |
Inferior a 1 ano | 3 anos |
Há ainda prescrição específica da pena de multa, que prescreve em 2 anos, se isolada.
Termo inicial da prescrição
Varia conforme o tipo de crime:
Crime consumado: data da consumação.
Crime tentado: data da cessação da atividade criminosa.
Crimes permanentes e habituais: cessação da permanência ou última conduta.
Crimes sexuais contra menores: data em que a vítima completar 18 anos (Lei nº 12.650/2012).
Causas de suspensão e interrupção
A prescrição pode ser suspensa ou interrompida em diversos momentos do processo:
Suspensão (Art. 116 do CP):
Enquanto não resolvida questão prejudicial.
Cumprimento de pena no exterior.
Embargos ou recursos pendentes.
Acordo de não persecução penal pendente.
Interrupção (Art. 117 do CP):
Recebimento da denúncia ou queixa.
Pronúncia ou decisão confirmatória.
Publicação de sentença ou acórdão condenatório.
Início do cumprimento da pena.
Reincidência.
A interrupção reinicia a contagem do prazo prescricional. A prescrição é comunicável entre corréus, salvo em casos de cumprimento de pena ou reincidência, que são pessoais.
Reduções e exceções
Art. 115 do CP: redução pela metade se o réu era menor de 21 anos ao tempo do fato ou maior de 70 anos à data da sentença.
Imprescritibilidade: crimes como racismo e ações de grupos armados contra o Estado Democrático de Direito não se prescrevem (CF, art. 5º, XLII e XLIV).
Jurisprudência relevante
a) HC 957.112-PR (STJ, 2025)
O STJ reconheceu prescrição da pretensão punitiva em caso de demora excessiva na decisão de pronúncia. Apesar de o réu estar foragido, não houve decisão formal de suspensão, invalidando a paralisação automática da contagem prescricional.
b) Súmula 338 do STJ
Aplica a prescrição penal às medidas socioeducativas, respeitando a lógica do tempo razoável e os direitos fundamentais de adolescentes em conflito com a lei.
Aspectos Práticos e Jurisprudência
A aplicação prática da extinção da punibilidade exige atenção a diversos detalhes técnicos e procedimentais. É fundamental que operadores do Direito saibam identificar corretamente qual modalidade se aplica, em que fase do processo ela atua, e quais efeitos jurídicos dela decorrem.
A seguir, apresentamos os principais cuidados e decisões judiciais relevantes sobre o tema.
Verificação da causa extintiva
O profissional deve seguir os seguintes passos para identificar corretamente uma causa de extinção da punibilidade:
Identificar a fase do processo: antes ou depois do trânsito em julgado.
Analisar a pena em abstrato ou concreta, conforme a modalidade prescricional.
Aplicar os prazos do art. 109 do CP e verificar se houve causas de suspensão ou interrupção.
Consultar decisões judiciais específicas que possam consolidar entendimentos sobre casos semelhantes.
Essa metodologia foi apresentada pelo professor na aula de 28/05/2025 como uma forma objetiva de aplicação prática.
Jurisprudência destacada
a) STJ – HC 957.112-PR (2025)
Decisão reconheceu a prescrição da pretensão punitiva porque o juiz deixou de proferir decisão formal suspendendo o processo, mesmo com o réu foragido. A Corte entendeu que não basta a ausência física do réu para suspender a contagem da prescrição — é necessária decisão expressa.
“A suspensão do prazo prescricional, conforme o art. 366 do CPP, exige decisão judicial formal.”
b) STF – ADI 7390/DF (2025)
O STF considerou constitucional decreto presidencial de indulto natalino, mesmo em casos de concurso de crimes, desde que a pena máxima de cada crime fosse considerada isoladamente.
A decisão reforça o entendimento de que o presidente da República possui discricionariedade limitada para conceder indultos, desde que respeitados os princípios constitucionais.
c) Súmula 631 do STJ
Firmou o entendimento de que a graça e o indulto extinguem apenas a pena principal, subsistindo os efeitos penais e extrapenais da condenação.
d) Súmula 191 do STJ
Confirma que a pronúncia é causa interruptiva da prescrição, mesmo que o Tribunal do Júri posteriormente desclassifique o crime.
Conclusão
As anotações acadêmicas de 28/05/2025 permitiram uma imersão detalhada no tema da extinção da punibilidade, essencial para o domínio técnico do Direito Penal. Compreender os limites do poder punitivo do Estado é garantir que o processo penal atenda aos princípios da legalidade, proporcionalidade, segurança jurídica e dignidade da pessoa humana.
Este artigo demonstrou que a extinção da punibilidade pode se dar por diversas causas — legais, políticas ou temporais —, com efeitos distintos sobre o crime e seus reflexos jurídicos. O conhecimento aprofundado dessas causas não apenas aprimora a prática jurídica, mas assegura um sistema penal mais justo, equilibrado e eficiente.
Em última análise, a extinção da punibilidade não representa impunidade, mas sim o respeito a limites institucionais e garantias fundamentais. É um mecanismo de justiça, e não de indulgência.
Referências Bibliográficas
- BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Forense, 2024.
- MASSOM, Cleber. Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Método, 2024.
- BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2023.
- Informativos do STJ e STF: STJ Info. 841, STJ Info. 523, STF Info. 1166
- Anotações do professor Francisco Geraldo Matos Santos – Aula de 28/05/2025