O que você verá neste post
Introdução
Você sabe quem pode ser responsabilizado por um crime quando há mais de um envolvido? Essa questão foi o ponto de partida das Anotações Acadêmicas de 14/05/2025, que trataram do concurso de pessoas no Direito Penal — um dos temas mais relevantes para a compreensão da responsabilidade penal em situações de coautoria e participação criminosa.
Entender como a lei penal distingue o autor do partícipe é essencial para que a resposta do Estado seja justa e proporcional à conduta de cada agente.
A correta identificação dos elementos objetivos e subjetivos envolvidos na ação penal conjunta permite ao julgador aplicar adequadamente as sanções previstas no ordenamento jurídico, conforme as lições de Cezar Bittencourt, Cleber Masson e Rogério Sanches Cunha, que integram, de maneira harmônica, a base doutrinária deste estudo.
No artigo 29 do Código Penal, a lei estabelece que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas”, reforçando a ideia de que, embora vários agentes possam atuar juntos, suas responsabilidades precisam ser individualizadas.
É justamente essa a importância de compreender a fundo as distinções entre autoria imediata, mediata, colateral e formas de participação — pontos centrais da aula de hoje e que serão detalhados nas seções seguintes.
Conceito de Concurso de Pessoas
O concurso de pessoas é configurado quando duas ou mais pessoas colaboram, consciente e voluntariamente, para a prática de uma mesma infração penal.
Previsto no artigo 29 do Código Penal, ele determina que todos os que concorrem para o crime estão sujeitos à pena cominada ao delito, respeitando-se a medida da culpabilidade de cada um.
Requisitos e Distinções Fundamentais
De acordo com Cezar Bittencourt, para que haja concurso de pessoas, são necessários três requisitos:
- Pluralidade de agentes.
- Unidade de infração penal.
- Vínculo subjetivo.
Isso significa que os agentes devem agir com uma finalidade comum, embora executem ações distintas. Essa comunhão de vontades é o que diferencia o concurso de uma mera coincidência.
Cleber Masson reforça que a existência de dolo conjunto é o elemento psicológico essencial ao concurso. Ainda que os envolvidos atuem em momentos diferentes ou em locais distintos, é indispensável que todos compartilhem a intenção criminosa. Quando não há esse liame subjetivo, não se aplica a regra do concurso, e a responsabilidade penal será individualizada.
Além disso, como destaca Rogério Sanches Cunha, é preciso diferenciar o concurso eventual dos crimes de concurso necessário, como a associação criminosa, em que o envolvimento de vários agentes é pressuposto típico. No concurso eventual, o crime poderia ser praticado individualmente, mas ocorre com a participação de múltiplos sujeitos.
A correta identificação do concurso de pessoas tem implicações diretas na fixação da pena, no reconhecimento de agravantes e até mesmo na definição da tipicidade da conduta. É por isso que o conhecimento técnico e o uso adequado da doutrina são indispensáveis à prática penal.
Teorias sobre Autoria
A determinação de quem pode ser considerado autor de um crime é essencial no estudo do concurso de pessoas. A doutrina penal apresenta diversas teorias para esclarecer essa distinção, que impacta diretamente na responsabilização penal de cada agente.
Teoria Formal-Objetiva e Material-Objetiva
A teoria formal-objetiva sustenta que autor é aquele que pratica o núcleo do tipo penal, ou seja, a conduta descrita no verbo típico. Já o partícipe seria aquele que atua fora desse núcleo, auxiliando ou instigando o autor. Apesar de clara, essa teoria é considerada limitada, pois ignora a importância do domínio funcional da conduta na prática delituosa.
A teoria material-objetiva, por sua vez, vai além da formalidade do tipo penal e avalia quem teve o controle efetivo sobre a execução do crime. Para essa corrente, autor é aquele que tem o domínio do fato típico, ainda que não execute diretamente o verbo nuclear.
Teoria do Domínio do Fato
Entre as correntes doutrinárias, destaca-se a teoria do domínio do fato, adotada amplamente pela jurisprudência e por doutrinadores como Cezar Bittencourt e Cleber Masson.
Segundo essa teoria, é autor quem detém o controle final sobre a ação criminosa, podendo determinar sua execução, interrupção ou modificação. Isso inclui o autor direto, o autor mediato (que se vale de outra pessoa como instrumento) e o coautor (que compartilha a execução com outros).
Rogério Sanches Cunha observa que essa teoria permite uma análise mais justa e concreta da atuação de cada agente, respeitando os princípios da culpabilidade e da proporcionalidade na aplicação da pena.
Autoria Imediata
A autoria imediata ocorre quando o agente pratica, por si só, todos os elementos do tipo penal, ou seja, ele executa diretamente o núcleo da conduta criminosa. Essa é a forma clássica de autoria, em que não há necessidade de intermediação ou auxílio de terceiros para a realização do fato típico.
Cezar Bittencourt define o autor imediato como aquele que “tem domínio direto da ação”, sendo ele o executor direto do crime. A conduta é pessoal e autônoma, e sua responsabilização é evidente, pois não há dúvidas sobre sua intenção e controle sobre os meios empregados.
Instrumentos e Responsabilidade
Mesmo quando o agente utiliza um instrumento, como uma arma ou mesmo um animal, continua sendo considerado autor imediato, desde que mantenha o controle sobre o fato.
Conforme explica Cleber Masson, a utilização de ferramentas ou de seres irracionais não descaracteriza a autoria imediata, pois não há participação de vontade alheia.
Rogério Sanches Cunha observa que essa modalidade só é compatível com crimes dolosos. Em crimes culposos, não se fala em autoria imediata nos moldes tradicionais, pois o agente não tem intenção ou domínio do resultado, atuando por negligência, imprudência ou imperícia.
No contexto prático, o autor imediato é aquele que, por exemplo, puxa o gatilho no crime de homicídio, subtrai o bem no furto ou realiza o ato sexual no estupro. Ele está diretamente vinculado ao verbo do tipo penal e assume integralmente a responsabilidade pela conduta delitiva.
Essa forma de autoria é a mais comum na aplicação prática do Direito Penal e serve como ponto de partida para compreender as demais formas de participação e coautoria no concurso de pessoas.
Autoria Mediata
A autoria mediata caracteriza-se pela utilização de outra pessoa como instrumento para a prática do crime. Nesse caso, o agente não executa diretamente o núcleo do tipo penal, mas se vale de um terceiro para realizar a conduta criminosa, mantendo, no entanto, o controle final sobre a ação. É a forma de autoria em que o sujeito atua “por meio de outrem”.
Segundo Cezar Bittencourt, o autor mediato domina a vontade alheia. Ele se encontra em posição de superioridade, manipulando o executor, que atua sem culpabilidade, sem consciência da ilicitude ou sob coação.
Assim, as hipóteses clássicas incluem a utilização de um inimputável, uma pessoa coagida moralmente de forma irresistível ou alguém que obedece a uma ordem hierárquica não manifestamente ilegal.
Cleber Masson exemplifica a autoria mediata com o caso do agente que se utiliza de um adolescente inimputável para cometer um homicídio. Nesse cenário, embora o menor seja o executor físico do crime, é o autor mediato quem deve responder penalmente, pois é ele quem detém o domínio da ação e instrumentaliza o outro para alcançar o resultado.
Já para Rogério Sanches Cunha, a autoria mediata exige, obrigatoriamente, que o crime seja doloso, pois não há como dominar a vontade alheia sem intenção. Crimes culposos, por sua natureza, são incompatíveis com essa forma de autoria, já que não se admitem atitudes dolosas no contexto de culpa.
A jurisprudência brasileira tem acolhido essa construção teórica, especialmente em casos envolvendo manipulação de pessoas com discernimento reduzido ou em contextos de organizações criminosas, onde chefes determinam condutas sem executá-las diretamente.
Autoria Colateral ou Paralela
A autoria colateral, também conhecida como autoria paralela, ocorre quando dois ou mais agentes, sem qualquer vínculo subjetivo ou acordo prévio, praticam condutas independentes que convergem para o mesmo resultado criminoso.
Nessa hipótese, não há concurso de pessoas propriamente dito, pois falta o liame subjetivo entre os envolvidos.
De acordo com Cleber Masson, essa modalidade é marcada pela ausência de prévio ajuste ou dolo conjunto entre os agentes. Cada um atua de forma autônoma, mas suas ações coincidem no tempo e no espaço, podendo gerar confusão sobre quem efetivamente causou o resultado.
Cezar Bittencourt esclarece que, em casos de autoria colateral, se for possível identificar qual conduta resultou na produção do resultado — como no homicídio — apenas o autor do disparo fatal responderá pelo crime consumado, e os demais, no máximo, por tentativa, se presentes os elementos do tipo penal.
Contudo, se a prova técnica (como uma perícia balística) for inconclusiva quanto à origem do resultado, todos os envolvidos poderão responder por tentativa de homicídio. Isso se deve ao princípio do in dubio pro reo: a dúvida quanto à autoria do resultado impede a condenação por crime consumado.
Rogério Sanches Cunha observa que a autoria colateral é comum em contextos de tiroteios entre grupos rivais, em que ambos atiram e apenas uma bala atinge a vítima. Se não for possível determinar de qual arma partiu o disparo fatal, ambos os atiradores poderão responder apenas pela tentativa, e não pelo homicídio consumado.
Essa categoria demonstra a importância da individualização precisa da conduta, pois a ausência de vínculo subjetivo entre os agentes altera completamente a forma de imputação penal.
Participação Criminosa
A participação ocorre quando o agente colabora com a prática criminosa sem realizar o núcleo do tipo penal. Embora não tenha o domínio do fato, sua conduta é penalmente relevante por contribuir para a execução ou consumação do crime. Essa colaboração pode ocorrer por induzimento, instigação ou auxílio.
Induzir
Induzir é fazer nascer a ideia do crime na mente do autor. O partícipe planta, originalmente, a vontade criminosa em alguém que, até então, não pretendia cometer qualquer infração. Conforme destacou o professor em sala, é o exemplo clássico de quem sugere a alguém “você deveria roubar aquele cofre”, quando até então o agente não havia cogitado tal possibilidade.
Cezar Bittencourt observa que o induzimento deve ser eficaz, ou seja, deve haver nexo causal entre a sugestão e a prática do crime.
Instigar
Instigar é reforçar ou estimular uma intenção criminosa preexistente. Aqui, o autor já tem a ideia do crime, mas está hesitante ou inseguro. O partícipe atua para incentivá-lo, como no caso da pessoa que diz “vá em frente, você tem razão de fazer isso”, motivando a ação criminosa.
Cleber Masson diferencia bem do induzimento ao destacar que, na instigação, a ideia já está presente no autor.
Auxiliar
Auxiliar é prestar ajuda material ou facilitar a execução do crime. Isso pode ocorrer antes ou durante o delito. Exemplo típico é quem fornece a arma usada no homicídio, ou deixa propositalmente a porta aberta para a entrada do agente.
Rogério Sanches Cunha ressalta que o auxílio deve guardar relevância causal com o crime, ainda que não seja determinante.
Teorias da Assessoriedade
A responsabilização penal do partícipe exige que sua conduta esteja vinculada ao fato praticado pelo autor. Esse vínculo é analisado à luz das chamadas teorias da assessoriedade, que estabelecem diferentes graus de exigência quanto à configuração do crime praticado pelo autor para que o partícipe possa ser punido.
Assessoriedade Mínima
Na assessoriedade mínima, basta que o autor tenha praticado um fato típico para que o partícipe possa ser responsabilizado. Não se exige que o fato seja ilícito nem que o autor seja culpável.
Essa teoria, embora simples, é considerada insuficiente por doutrinadores como Cezar Bittencourt, pois poderia permitir a punição do partícipe mesmo quando o autor atua em legítima defesa ou sob outra causa excludente de ilicitude.
Exemplo: um agente entrega uma arma para que outro cometa um homicídio. No entanto, o autor age em legítima defesa (excludente de ilicitude). Ainda assim, o partícipe poderia ser punido por essa teoria, mesmo que o autor esteja isento de pena.
Assessoriedade Limitada
A teoria da assessoriedade limitada, majoritariamente adotada no Brasil e defendida por Cleber Masson, exige que o autor pratique um fato típico e ilícito, ainda que não seja culpável.
Assim, se o autor for inimputável (como um adolescente ou pessoa com doença mental), o partícipe ainda poderá ser punido, desde que o fato praticado seja objetivamente criminoso. Essa teoria concilia proporcionalidade com efetividade da punição.
Exemplo: um adulto convence um adolescente de 13 anos a cometer um roubo. O menor é inimputável (sem culpabilidade), mas o fato praticado é típico e ilícito. Assim, o adulto poderá ser responsabilizado como partícipe ou autor mediato.
Assessoriedade Máxima ou Extrema
Na teoria da assessoriedade máxima, a punição do partícipe depende de o autor ter praticado um fato típico, ilícito e culpável. Como ressalta Rogério Sanches Cunha, essa teoria é restritiva, pois, se o autor estiver isento de culpa — por exemplo, por erro de proibição ou doença mental — o partícipe também não poderá ser punido, o que pode levar à impunidade de colaborações relevantes.
Exemplo: uma pessoa instiga outra a cometer um crime. O autor realiza a conduta, mas está sob efeito de transtorno mental que o torna inimputável. Nesta teoria, o partícipe não seria punido, pois faltaria a culpabilidade do autor.
Hiperassessoriedade (Ultraassessoriedade)
A teoria da hiperassessoriedade ou ultraassessoriedade, mencionada pelo professor, vai além: exige que o autor tenha sido efetivamente condenado. Essa visão é extremamente minoritária e criticada pela doutrina, pois subordina a punição do partícipe ao desfecho do processo do autor, contrariando a autonomia das responsabilidades penais.
Para Bittencourt, essa posição ignora a lógica do Direito Penal moderno, que valoriza a conduta própria de cada agente.
Exemplo: alguém auxilia na prática de um crime, mas o autor falece antes do julgamento. Ainda que a materialidade do crime esteja comprovada, o partícipe não poderia ser punido, pois não houve condenação formal do autor.
O Brasil adota a teoria da assessoriedade limitada, por representar o melhor equilíbrio entre segurança jurídica e efetividade penal. Ela permite a responsabilização do partícipe sempre que o autor praticar um fato típico e ilícito, independentemente de sua culpabilidade.
Participação de Menor Importância
O Código Penal brasileiro, em seu artigo 29, §1º, prevê que, “se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço”. Essa regra busca atenuar a sanção aplicada ao partícipe cuja colaboração foi limitada, sem influência significativa no resultado final do crime.
Critério de Relevância
Para o reconhecimento da participação de menor importância, a doutrina e a jurisprudência analisam o grau de relevância da contribuição do partícipe para o crime. O critério é funcional: a pena será atenuada quando a colaboração for acessória, substituível ou pouco eficaz.
Cezar Bittencourt observa que a redução é possível quando o partícipe atua de forma secundária, sem domínio da ação e sem determinação efetiva do rumo do crime. Já Cleber Masson explica que a atenuação não é obrigatória, devendo ser justificada com base em elementos objetivos do caso concreto.
Exemplos: Um exemplo clássico, mencionado na aula de 14/05/2025, é o da empregada doméstica que deixa a porta destrancada para facilitar o acesso de criminosos à residência. Sua colaboração existe, mas não é determinante: se ela não o fizesse, outro meio seria utilizado. Assim, sua participação pode ser considerada de menor importância.
Outro exemplo prático é o do motorista que apenas dá carona a criminosos, sem envolvimento direto no planejamento ou execução do crime. Caso se comprove que ele sabia da intenção criminosa, poderá responder como partícipe, mas com a possibilidade de redução da pena se sua contribuição for irrelevante.
Rogério Sanches Cunha lembra que a análise deve ser individualizada e compatível com o princípio da proporcionalidade.
Conclusão
O concurso de pessoas é um dos temas mais relevantes e desafiadores do Direito Penal, exigindo uma análise cuidadosa da atuação de cada agente envolvido no crime.
Compreender as distinções entre autoria imediata, mediata, colateral e as formas de participação é fundamental para garantir a correta aplicação da lei e evitar responsabilizações injustas.
Neste artigo, exploramos as principais modalidades de autoria e participação, os critérios adotados para a punição do partícipe conforme as teorias da assessoriedade, e a importância de considerar a participação de menor importância na individualização da pena.
Assim, a análise da conduta deve sempre considerar não apenas o comportamento externo, mas também o vínculo subjetivo entre os envolvidos.
Reconhecer as diferentes formas de envolvimento em um crime e aplicar corretamente os critérios legais e doutrinários fortalece a segurança jurídica e assegura um sistema penal mais justo e proporcional. Essas ferramentas são indispensáveis para a atuação técnica e ética no exercício da advocacia, magistratura, ministério público ou qualquer função jurídica.
Continue acompanhando nossas anotações acadêmicas para aprofundar seu conhecimento e construir uma base sólida no estudo do Direito Penal.
Referências Bibliográficas
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. Volume 1. 29ª ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2023.
MASSON, Cleber. Direito Penal – Parte Geral. Volume 1. 19ª ed. São Paulo: Método, 2025.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Volume Único. 14ª ed. Salvador: JusPodivm, 2025.
Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940).