O que você verá neste post
Introdução
As Anotações Acadêmicas de 07/05/2025 registram a aula sobre o tema concurso de pessoas, ministrada pelo Prof. Francisco Geraldo. Neste artigo, vamos organizar, interpretar e aprofundar os principais tópicos abordados durante a aula, enriquecendo o conteúdo com comentários doutrinários atuais e jurisprudência relevante.
O concurso de pessoas é uma das temáticas mais importantes do Direito Penal, pois diz respeito à atuação conjunta de dois ou mais agentes na prática de um crime.
Compreender como o ordenamento jurídico trata essas situações é essencial para aplicar corretamente os princípios da imputação penal, distinguir autores de partícipes e identificar as consequências jurídicas da coautoria.
Além disso, o tema ganha destaque em casos complexos envolvendo crimes em organização, corrupção, fraudes e delitos econômicos, exigindo do intérprete atenção aos requisitos objetivos e subjetivos da atuação coletiva.
Assim, este artigo busca oferecer um panorama completo e didático sobre o instituto, com base no conteúdo da aula e nos principais fundamentos teóricos da matéria.
Conceito de Concurso de Pessoas
O concurso de pessoas, também chamado de concurso de agentes, codelinquência ou, na terminologia em latim, concursus deliquentium, é uma figura jurídica do Direito Penal que ocorre quando duas ou mais pessoas se associam para a prática de um mesmo fato punível.
A previsão normativa está no artigo 29 do Código Penal, que estabelece:
“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.
Na aula do dia 07/05/2025, o professor enfatizou que o concurso de pessoas deve ser distinguido do chamado concursus delictorum.
Enquanto o concursus de pessoas (concursus deliquentium) trata da atuação de várias pessoas em um único delito, o concursus de crimes (concursus delictorum) refere-se à prática de vários delitos por um ou mais agentes, que podem configurar concurso material, formal ou crime continuado.
Essa distinção é importante porque altera diretamente o regime de responsabilização penal, interferindo no cálculo das penas, na análise da culpabilidade e até mesmo na aplicação de agravantes ou atenuantes.
O concursus deliquentium exige uma conexão subjetiva entre os agentes, uma relação de causalidade entre as condutas e a unidade do fato criminoso, como será detalhado nos próximos tópicos.
Em síntese, o concurso de pessoas ocorre quando duas ou mais pessoas, cientes e voluntárias, unem-se para praticar um ou mais crimes ou contravenções penais, assumindo posições de autor, coautor ou partícipe.
Esta é uma das formas mais complexas de atuação criminosa, pois exige análise não apenas da conduta isolada, mas também da interação entre os envolvidos, o que impacta diretamente no juízo de tipicidade, ilicitude e culpabilidade de cada agente.
Classificações: Concurso Eventual e Necessário
No estudo do concurso de pessoas, é essencial diferenciar as hipóteses em que a atuação conjunta de agentes é eventual, ou seja, acidental à estrutura do tipo penal, daquelas em que a participação de mais de uma pessoa é necessária, por ser elemento constitutivo do crime.
Essa distinção permite entender quando o Direito Penal exige a pluralidade de sujeitos e quando ela apenas agrava a conduta.
Concurso Eventual (ou Acidentalmente Coletivo)
Ocorre quando o crime pode ser praticado por uma única pessoa, mas a presença de mais agentes não é indispensável para sua configuração. No entanto, a atuação conjunta torna a infração mais grave, podendo representar uma qualificadora ou uma causa de aumento de pena.
Exemplos:
Furto qualificado (art. 155, §4º, IV, do CP): quando há concurso de duas ou mais pessoas, a pena é aumentada.
Roubo majorado (art. 157, §2º, II, do CP): concurso de pessoas gera aumento de pena.
Nesses casos, a pluralidade de agentes não integra o tipo penal, mas influencia diretamente o quantum da pena, funcionando como elemento agravador.
Concurso Necessário (ou Crimes Plurissubjetivos)
São os delitos que só podem existir com a participação de dois ou mais sujeitos. A pluralidade não é um dado externo, mas um pressuposto do próprio tipo penal, o que justifica o nome de crimes plurissubjetivos.
Dentro dessa categoria, a doutrina classifica os crimes plurissubjetivos em três modalidades, conforme a relação entre as condutas dos agentes:
a) Condutas Paralelas
Ocorre quando os agentes atuam lado a lado, de forma colaborativa, com o objetivo comum de alcançar o resultado. Há reforço mútuo das ações.
Exemplo: Associação criminosa (art. 288 do CP), em que três ou mais pessoas se associam de forma estável para o cometimento de crimes.
b) Condutas Contrapostas
Neste caso, as ações dos agentes se opõem entre si, mas o tipo penal exige esse conflito direto entre os sujeitos.
Exemplo: Rixa (art. 137 do CP), na qual duas ou mais pessoas se envolvem em uma luta generalizada. Cada uma atua contra a outra, mas a pluralidade é indispensável.
c) Condutas Convergentes
São aquelas em que as vontades dos agentes se unem para a prática de um ato conjunto, sem que necessariamente colaborem ativamente um com o outro. O encontro das condutas é que gera o crime.
Exemplos:
Bigamia (art. 235 do CP), em que tanto o cônjuge quanto o novo parceiro agem conscientemente.
Adultério, que já foi considerado crime no Brasil (revogado em 2005), também era exemplo clássico.
Em todos esses casos, o tipo penal pressupõe a participação de mais de um sujeito ativo, sem o qual o crime sequer se configura. A doutrina também os chama de delitos de encontro ou de convergência.
Resumo:
Tipo de Concurso | Pluralidade Exigida? | Efeito Jurídico |
---|---|---|
Eventual | Não | Aumento de pena ou qualificadora |
Necessário | Sim | Elemento estrutural do tipo penal |
Infrações Penais Coletivas
O professor destacou três figuras típicas importantes no contexto de crimes plurissubjetivos, que exigem a atuação de múltiplos agentes como elemento constitutivo do delito.
a) Associação Criminosa (Art. 288 do Código Penal)
Prevê pena de reclusão para quem se associa com outras duas ou mais pessoas com o fim de cometer crimes.
Requisito mínimo: 3 pessoas.
Natureza: Crime plurissubjetivo de condutas paralelas.
Finalidade: Estável e permanente, voltada à prática de crimes indeterminados.
Pena: Reclusão de 1 a 3 anos.
b) Organização Criminosa (Lei 12.850/2013, art. 1º)
Trata-se de figura mais complexa e abrangente, exigindo uma estrutura hierárquica ou funcional, voltada para a prática de crimes graves.
Requisito mínimo: 4 ou mais pessoas.
Natureza: Crime autônomo, mais gravoso que a associação criminosa.
Características adicionais: divisão de tarefas, atuação coordenada e, em geral, transnacionalidade ou uso de recursos públicos.
Pena: Reclusão de 3 a 8 anos + multa.
c) Associação para o Tráfico (Art. 35 da Lei 11.343/2006)
É a associação de duas ou mais pessoas com o objetivo de praticar o tráfico ilícito de drogas.
Requisito mínimo: 2 pessoas.
Natureza: Crime plurissubjetivo, específico da Lei de Drogas.
Pena: Reclusão de 3 a 10 anos, além de multa.
Esses três tipos penais são exemplos clássicos de crimes que exigem concurso necessário, ou seja, não podem ser praticados por um único agente. A quantidade mínima de pessoas é critério indispensável para sua configuração.
Além disso, servem para ilustrar como o Direito Penal trata de formas organizadas e duradouras de criminalidade, diferenciando-as de atos isolados ou pontuais.
Elementos Constitutivos do Concurso de Pessoas
Para que se reconheça juridicamente o concurso de pessoas, é necessário que estejam presentes alguns elementos fundamentais, tanto objetivos quanto subjetivos.
Portanto, a ausência de qualquer um desses elementos pode descaracterizar a codelinquência, resultando, por exemplo, em autoria isolada, autoria colateral ou até mesmo não imputabilidade penal.
Pluralidade de Agentes Culpáveis
O primeiro requisito é a existência de dois ou mais agentes penalmente responsáveis. Isso significa que não basta a presença física de várias pessoas na cena do crime: todos devem ser imputáveis, culpáveis e conscientes de sua participação no fato criminoso.
A doutrina distingue os envolvidos em três categorias fundamentais:
Autor: quem executa diretamente a conduta típica, realizando o núcleo do verbo descrito no tipo penal.
Coautor: quem atua conjuntamente com o autor, executando parte do núcleo do tipo penal, de forma coordenada.
Partícipe: quem não pratica o núcleo do tipo, mas contribui de forma acessória, por meio de instigação, induzimento ou auxílio material.
A ausência de culpabilidade de qualquer dos agentes impede o reconhecimento do concurso. Exemplo: se um dos envolvidos é inimputável (ex.: menor de idade ou pessoa com transtorno mental), não há concurso de pessoas em relação a ele — o outro pode, no máximo, responder por autoria mediata, conforme o caso.
Entendendo o Núcleo do Verbo no Tipo Penal
Na explicação sobre pluralidade de agentes, o professor Francisco Geraldo destacou a importância de compreender o que significa “praticar o núcleo do tipo penal” — também conhecido como núcleo do verbo.
No Direito Penal, o núcleo do verbo é o centro da ação típica descrita no tipo penal. Ele define a conduta proibida pela norma e funciona como ponto de partida para identificar quem é o autor do crime.
Exemplos:
No crime de homicídio (art. 121 do CP), o núcleo é “matar”.
No furto (art. 155 do CP), o verbo é “subtrair”.
No roubo (art. 157 do CP), também “subtrair”, mediante violência ou grave ameaça.
Quem executa diretamente essa ação — ou parte dela, em conjunto com outro agente — é considerado autor ou coautor, conforme a teoria objetivo-formal, adotada pelo Código Penal brasileiro.
Já o partícipe não realiza o núcleo do verbo, mas atua de forma acessória, como ao instigar, auxiliar ou planejar o crime sem executá-lo diretamente.
Compreender essa distinção é essencial para classificar corretamente a responsabilidade penal de cada envolvido e aplicar as sanções com base na intensidade e relevância da conduta praticada.
Relevância Causal da Conduta
A conduta de cada agente deve ser relevante para a produção do resultado. Isso significa que sua atuação deve ter efetiva influência causal no crime, ou seja, deve contribuir para a prática do delito de forma concreta.
Segundo a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais (também conhecida como conditio sine qua non), toda conduta que, eliminada hipoteticamente, faria desaparecer o resultado, deve ser considerada causa.
Por outro lado, quando a contribuição não tem nenhuma eficácia prática, caracteriza-se o que se denomina participação inócua ou ineficaz. Nesse caso, não há concurso de pessoas.
Exemplo: alguém fornece uma arma descarregada ao autor, sem que este saiba — se a arma não for usada ou não influenciar o resultado, a contribuição é ineficaz.
Além disso, como regra, a contribuição deve ocorrer antes ou durante a execução do crime. Se for prestada após a consumação, não se configura concurso de pessoas, mas possivelmente crime autônomo (ex.: favorecimento pessoal, receptação etc.).
Exceção: a contribuição pós-fato poderá configurar concurso se houver ajuste prévio, conforme destacado pelo professor.
Vínculo Subjetivo entre os Agentes
Outro elemento essencial é o liame psicológico entre os envolvidos, ou seja, uma comunhão de vontades para a prática do crime. Trata-se do princípio da convergência, que exige homogeneidade nos elementos subjetivos.
Esse vínculo pode ser:
Explícito (ex.: plano ou acordo prévio).
Implícito (ex.: atuação conjunta e consciente no momento da execução).
Importante observar:
Não é possível haver participação culposa em crime doloso, nem o inverso.
Não se exige vínculo subjetivo bilateral. Basta que um agente tenha ciência da cooperação do outro (scientia sceleris).
O ajuste prévio não é indispensável, mas o liame subjetivo é. Como apontado em aula, o ajuste é o pactum sceleris (facultativo), enquanto o liame é a scientia maleficii (indispensável).
Se esse vínculo estiver ausente, poderá haver autoria colateral: duas pessoas praticam, simultaneamente e sem conexão subjetiva, condutas que levam ao mesmo resultado — mas cada qual age por si só, sem concertação.
Unidade de Infração Penal
Para que se configure concurso de pessoas, é necessário que os agentes contribuam para um mesmo fato punível, ou seja, uma única infração penal. Essa é a base da teoria unitária ou monística, adotada pelo art. 29 do Código Penal:
“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”
Essa teoria entende que, mesmo havendo diferentes formas de atuação, todos respondem pelo mesmo crime, sendo a culpabilidade individual o critério para modular a pena.
A Exposição de Motivos do Código Penal, ao reformular o Título IV, reforça essa orientação, destacando que a coautoria não esgota todas as hipóteses do concurso, razão pela qual se adotou uma formulação mais abrangente.
Existência de Fato Punível
Por fim, o concurso de pessoas exige que o fato seja tipicamente punível, isto é, que tenha ultrapassado a fase do mero planejamento e tenha, pelo menos, iniciado sua execução.
Esse é o chamado princípio da exterioridade, que exclui da punição os atos meramente preparatórios, salvo se houver previsão legal expressa.
Art. 31 do Código Penal reforça essa exigência:
“O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.”
Portanto, sem tentativa ou consumação, não há concurso punível. O planejamento isolado, sem início de execução, não basta para ensejar responsabilização penal conjunta, salvo se configurado crime autônomo (como associação criminosa ou organização criminosa).
Portanto, esses cinco elementos são indispensáveis para a correta identificação do concurso de pessoas. Sua análise permite distinguir com precisão a responsabilidade de cada agente e garantir uma aplicação justa do Direito Penal, conforme os princípios da culpabilidade e proporcionalidade.
Teorias sobre o Concurso de Pessoas
A doutrina penal apresenta três principais teorias para explicar como deve se dar a responsabilização penal nos casos de concurso de pessoas. O entendimento sobre essas teorias é fundamental para compreender quem deve ser punido, como deve ser punido e qual o critério de diferenciação entre os envolvidos.
Teoria Unitária (ou Monística)
A teoria unitária, também chamada de teoria monística, é a regra geral adotada pelo Código Penal brasileiro, conforme previsto no caput do art. 29. Segundo essa teoria, todos os envolvidos na prática de um crime respondem pelo mesmo delito, independentemente de sua posição como autor, coautor ou partícipe.
“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”
A principal característica da teoria unitária é a igualdade formal na imputação do crime, sendo a culpabilidade individual o critério para dosar a pena. Ou seja, todos respondem pelo mesmo tipo penal, mas com penas diferenciadas conforme o grau de participação.
Essa teoria busca simplificar a aplicação da lei penal, evitando a fragmentação da tipificação para cada agente. Contudo, não ignora as diferenças entre os papéis desempenhados, que são tratadas no momento da dosimetria da pena.
Teoria Pluralista
A teoria pluralista entende que cada agente deve responder por um crime diferente, conforme a conduta específica que realizou. É uma visão que despersonaliza a unidade do delito, fragmentando a tipificação penal de acordo com o comportamento de cada participante.
Essa teoria foi proposta por Vicenzo Manzini e é excepcionalmente admitida no ordenamento jurídico brasileiro, como nos seguintes casos:
Corrupção ativa e passiva: o corruptor responde por corrupção ativa (art. 333 do CP), e o agente público, por corrupção passiva (art. 317 do CP).
Aborto com consentimento da gestante: a mulher responde por um crime (art. 124), o terceiro por outro (art. 126).
Bigamia: tanto o cônjuge que já é casado quanto a pessoa que contrai novo casamento podem ser punidos por tipos distintos, conforme suas condutas.
A teoria pluralista é considerada mais realista do ponto de vista fático, mas pode dificultar a imputação penal em crimes com vários agentes e aumentar a complexidade processual.
Teoria Dualista
A teoria dualista representa uma espécie de meio-termo entre as teorias unitária e pluralista. Segundo essa concepção, autores e partícipes são tratados de forma distinta, mas dentro do mesmo tipo penal.
Ou seja, todos respondem pelo mesmo crime, mas o sistema normativo diferencia formalmente as condutas principais (autoria) das condutas acessórias (participação).
Essa teoria é aplicada de forma implícita no Código Penal, especialmente em seus parágrafos e dispositivos complementares, como o §1º do art. 29, que prevê a diminuição da pena para o partícipe de menor importância.
“Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.”
Portanto, ainda que o modelo de base do Código Penal seja o unitário, é possível identificar traços da teoria dualista na estrutura normativa, com a reconhecimento das diferenças qualitativas entre os participantes, influenciando diretamente na pena.
Resumo Comparativo:
Teoria | Responsabilidade Penal | Aplicação no Brasil |
---|---|---|
Unitária | Todos respondem pelo mesmo crime | Regra geral (art. 29, caput) |
Pluralista | Cada um responde por crime distinto | Casos excepcionais |
Dualista | Crime único, com distinções formais | Aplicação complementar |
Jurisprudência Aplicada
A correta aplicação das regras sobre concurso de pessoas exige, além do entendimento doutrinário, a análise da interpretação jurisprudencial. Isso é especialmente relevante quando se trata de agravantes específicas, como a prevista no art. 62, I, do Código Penal, que trata da promoção ou direção do crime por um dos agentes.
Interpretação do Art. 62, I, do Código Penal
O dispositivo estabelece que:
Art. 62, I – CP:
A pena será ainda agravada em relação ao agente que:
I – promove, ou organiza, a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes.
Esse artigo tem como objetivo agravar a pena do agente que exerce papel de liderança ou coordenação na empreitada criminosa, mesmo que não seja o executor direto do crime. Trata-se de uma agravante objetiva e autônoma, cuja aplicação independe do resultado final da ação, bastando a demonstração do papel de comando.
A jurisprudência brasileira entende que a autoria intelectual, ou seja, aquele que idealiza, organiza e comanda a ação criminosa, ainda que não participe diretamente da execução, pode ser alcançada pela agravante do art. 62, I.
REsp 1.563.169-DF (STJ)
A relevância do tema foi consolidada no julgamento do Recurso Especial 1.563.169-DF, pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em decisão relatada pelo Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, em 10 de março de 2016 (Informativo 580):
“A incidência da agravante do art. 62, I, do Código Penal é compatível com a autoria intelectual do delito (mandante).”
Esse precedente reconhece expressamente que o mandante do crime, mesmo não sendo o executor, exerce papel de direção sobre os demais agentes, podendo, por isso, ter sua pena agravada.
O julgado reforça a ideia de que a função de liderança dentro do grupo criminoso é circunstância que qualifica a reprovabilidade da conduta, exigindo uma resposta penal mais severa, ainda que o agente permaneça nos bastidores.
Aplicação Prática da Agravante
A aplicação prática da agravante do art. 62, I, demanda prova concreta de que o agente atuou como organizador, promotor ou dirigente da empreitada criminosa. Isso deve ser demonstrado por meio de elementos probatórios como:
Comunicação entre os envolvidos.
Planejamento prévio do crime.
Distribuição de tarefas.
Exercício de comando ou supervisão.
Atenção: a simples posição hierárquica (por exemplo, ser superior funcional) não é suficiente para justificar a agravante, como alertado também no julgamento da AP 975/AL pelo STF, quando o ministro Edson Fachin destacou que conjecturas ou hierarquia formal não bastam para demonstrar dolo ou comando efetivo.
Portanto, a aplicação da agravante exige análise qualitativa do comportamento individual de cada agente, dentro da lógica do concurso de pessoas.
Essa jurisprudência evidencia como o papel desempenhado dentro do grupo criminoso afeta diretamente a responsabilização penal, sendo essencial para operadores do Direito compreenderem essa distinção à luz da prática judiciária.
Formas de Concurso
O concurso de pessoas pode se manifestar em diferentes formas de atuação criminosa, que vão desde a execução direta do crime por mais de uma pessoa até a colaboração indireta por parte de quem não pratica o núcleo da ação típica.
Na aula de 07/05/2025, o Prof. Francisco apresentou as principais formas de concurso, com ênfase nos conceitos de coautoria, autoria mediata, autoria colateral e participação.
Compreender essas distinções é essencial para a correta tipificação penal, aplicação das penas proporcionais e adequada análise da culpabilidade de cada agente.
Coautoria
A coautoria ocorre quando duas ou mais pessoas realizam, conjuntamente, a conduta típica principal descrita no tipo penal. Ou seja, os coautores executam o núcleo do verbo e compartilham uma mesma intenção criminosa. Estão ligados por um vínculo subjetivo (liame psicológico) e atuam de forma coordenada para produzir o resultado.
O Código Penal Brasileiro, embora adote a teoria unitária para o concurso de pessoas, reconhece a coautoria como uma das formas de realização do crime, sendo fundamental distingui-la da participação, que é acessória e não executa o núcleo do tipo.
Teorias Explicativas da Coautoria
Para diferenciar autor de partícipe, a doutrina desenvolveu três principais teorias restritivas. Essas teorias analisam o critério que define quem deve ser considerado autor em sentido estrito, especialmente em crimes cometidos por várias pessoas.
1. Teoria Objetivo-Formal
(Adotada pelo Código Penal Brasileiro)
Segundo essa teoria, autor é aquele que pratica o núcleo do tipo penal, ou seja, o verbo principal da conduta descrita na lei (ex.: “matar”, “subtrair”, “lesionar”).
Coautores: executam juntos o núcleo do tipo, com base no princípio da imputação recíproca.
Partícipe: quem não realiza o verbo, mas colabora de forma acessória (instigação, auxílio, etc.).
Crítica: essa teoria não explica bem a autoria mediata, pois o autor mediato comanda a conduta sem praticar o verbo típico.
2. Teoria Objetivo-Material
Nessa perspectiva, o critério não é formal (prática do verbo), mas funcional e substancial:
Autor: quem realiza a conduta mais relevante para o resultado final, ainda que não pratique o núcleo do tipo.
Partícipe: quem contribui de forma menos significativa, mesmo que realize o verbo.
Essa teoria busca uma análise mais qualitativa da contribuição de cada agente, o que pode ser útil em crimes complexos, como os praticados por grupos organizados.
3. Teoria do Domínio do Fato
Essa é a teoria mais moderna e influente, especialmente em crimes praticados por estruturas de poder. Criada por Hans Welzel e desenvolvida por Claus Roxin, define autor como aquele que tem o controle do fato criminoso, ou seja, aquele que determina se, como e quando o crime será realizado.
São reconhecidas três formas de domínio do fato:
Domínio da Ação (Autor Imediato):
Realiza diretamente a conduta típica.
Domínio da Vontade (Autor Mediato):
Utiliza outra pessoa como instrumento (ex.: inimputável, coagido, enganado).
Domínio Funcional do Fato (Coautoria):
Participa com outros da execução, dividindo tarefas de forma relevante.
“Autoria de Escritório”
Conceito introduzido por Zaffaroni, também associado à teoria do domínio do fato. Aplica-se a estruturas ilícitas de poder, como organizações criminosas, onde dirigentes comandam os crimes sem executá-los pessoalmente, mas com pleno controle da ação.
Essa teoria foi aplicada, por exemplo, no julgamento do caso Eichmann, em Jerusalém, e inspirou discussões no Brasil sobre autores intelectuais e dirigentes políticos envolvidos em esquemas criminosos.
Conclusão
As Anotações Acadêmicas de 07/05/2025 reunidas neste artigo oferecem uma visão abrangente sobre os principais fundamentos do concurso de pessoas no Direito Penal.
Com base na aula ministrada pelo Prof. Francisco, foram explorados o conceito geral do instituto, suas classificações (concurso eventual e necessário), os elementos constitutivos exigidos para sua configuração e as principais teorias que explicam a coautoria, especialmente a teoria do domínio do fato.
Destacou-se também a interpretação jurisprudencial do art. 62, I, do Código Penal, com ênfase na figura da autoria intelectual, e o importante precedente do STJ que consolidou esse entendimento. Essa abordagem, ao mesmo tempo doutrinária e prática, permite uma compreensão mais profunda das nuances envolvidas na atuação conjunta de agentes em infrações penais.
Por fim, é importante destacar que outros desdobramentos relevantes do tema, como autoria mediata, autoria colateral, participação e formas de punição do partícipe, serão devidamente abordados na próxima aula.
Esses conteúdos completam o estudo do concurso de pessoas e são indispensáveis para uma aplicação penal justa e coerente com os princípios constitucionais da individualização da pena e da culpabilidade.
Teste Seus Conhecimentos
A seguir, apresentamos uma seleção de questões objetivas de nível avançado, baseadas exclusivamente na aula de 07/05/2025 sobre concurso de pessoas.
As perguntas testam a compreensão crítica de conceitos, classificações, teorias e jurisprudência, exigindo atenção aos detalhes e domínio técnico do tema.
1. Sobre os elementos constitutivos do concurso de pessoas, analise as afirmativas abaixo:
I. A pluralidade de agentes culpáveis é imprescindível, mesmo que um dos envolvidos seja inimputável, desde que tenha atuado no contexto do crime.
II. A relevância causal da conduta deve ser avaliada a partir da teoria da equivalência dos antecedentes causais.
III. O liame subjetivo entre os agentes pode ser presumido a partir do simples ajuste prévio.
IV. O concurso de pessoas exige que haja pelo menos início de execução do crime.
Assinale a alternativa correta:
a) Apenas II e IV estão corretas.
b) Apenas I, III e IV estão corretas.
c) Apenas II está correta.
d) Todas estão corretas.
e) Apenas II e III estão corretas.
2. Analise os seguintes exemplos e associe-os corretamente aos tipos de crimes plurissubjetivos:
I. Três pessoas se associam para cometer crimes indeterminados, de forma estável.
II. Dois homens lutam entre si, sem saber que estavam sendo instigados um contra o outro.
III. Um indivíduo casado se casa novamente, com plena ciência do novo cônjuge sobre o vínculo anterior.
IV. Um agente subtrai bem mediante violência e recebe ajuda posterior de amigo que não participou do planejamento.
Correta associação:
a) I – Condutas paralelas; II – Condutas convergentes; III – Condutas contrapostas; IV – Crime autônomo.
b) I – Condutas paralelas; II – Condutas contrapostas; III – Condutas convergentes; IV – Crime autônomo.
c) I – Condutas convergentes; II – Condutas paralelas; III – Condutas contrapostas; IV – Concurso necessário.
d) I – Condutas contrapostas; II – Condutas convergentes; III – Condutas paralelas; IV – Concurso eventual.
e) Todas estão incorretamente associadas.
3. Considere as proposições sobre a teoria do domínio do fato:
I. O autor é aquele que possui o controle do fato, podendo exercer o domínio da ação, da vontade ou funcional.
II. A autoria de escritório, conforme Zaffaroni, aplica-se a líderes que mandam, mas não participam da execução.
III. O simples cargo de liderança ou função hierárquica já permite presumir o domínio do fato.
IV. A teoria do domínio do fato é compatível com o autor mediato.
Quantas proposições estão corretas?
a) Apenas uma.
b) Duas.
c) Três.
d) Quatro.
e) Nenhuma.
4. De acordo com o art. 62, I, do Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, assinale a alternativa incorreta:
a) A agravante aplica-se àquele que organiza ou dirige a atividade dos demais.
b) A autoria intelectual, mesmo sem execução direta, é compatível com a agravante.
c) A mera suspeita de comando ou cargo público já justifica a incidência da agravante.
d) A jurisprudência do STJ admite o uso da agravante para o mandante do crime.
e) A posição hierárquica isolada não autoriza a condenação.
5. Assinale a alternativa correta com base na classificação dos crimes plurissubjetivos:
a) A bigamia é um crime de condutas paralelas.
b) A associação criminosa exige no mínimo quatro agentes.
c) A rixa exige unidade de ação e comunhão de vontades.
d) A associação para o tráfico configura crime plurissubjetivo e exige no mínimo dois agentes.
e) Todos os crimes plurissubjetivos possuem natureza de concurso eventual.
6. A respeito da teoria pluralista, analise as afirmações:
I. Cada agente responde por crime diferente.
II. É a teoria adotada pelo Código Penal como regra geral.
III. Aplica-se à corrupção ativa e passiva.
IV. Considera coautores e partícipes igualmente responsáveis.
Estão corretas:
a) Apenas I e III.
b) Apenas II e IV.
c) Apenas I, II e IV.
d) Todas estão corretas.
e) Apenas I.
7. Sobre o vínculo subjetivo entre os agentes, é incorreto afirmar que:
a) Ele pode ser tácito ou expresso.
b) É indispensável para caracterizar o concurso de pessoas.
c) Substitui o ajuste prévio, sendo suficiente para imputar coautoria.
d) Exige que todos os envolvidos expressem formalmente suas intenções.
e) Sua ausência pode caracterizar autoria colateral.
8. Analise as sentenças:
I. A teoria objetivo-material classifica como autor aquele cuja conduta teve maior relevância causal.
II. A teoria objetivo-formal considera autor quem pratica o núcleo do tipo.
III. A teoria do domínio do fato não se aplica à autoria mediata.
IV. A coautoria funcional exige divisão de tarefas com relevância na execução.
Quantas estão corretas?
a) Apenas uma.
b) Duas.
c) Três.
d) Quatro.
e) Nenhuma.
9. Sobre os requisitos para o reconhecimento do concurso de pessoas:
a) A simples presença no local do crime já configura concurso.
b) A autoria isolada exclui o reconhecimento do concurso de pessoas.
c) A participação posterior é admitida, mesmo sem ajuste prévio.
d) A participação culposa é compatível com crime doloso se houver acordo.
e) O fato punível deve ter, no mínimo, iniciado execução.
10. Um indivíduo planeja um furto com outro agente, mas no momento da execução não comparece ao local, nem contribui de nenhuma forma prática. O outro executa sozinho e é preso em flagrante. Com base na teoria adotada pelo Código Penal, é correto afirmar que:
a) Ambos respondem como coautores, já que houve ajuste prévio.
b) O agente que planejou, mas não contribuiu, responde por participação inócua.
c) Apenas o executor responde, pois o outro não integrou o liame subjetivo.
d) Ambos respondem, pois o planejamento é punível.
e) O planejador responde apenas se a conduta tiver relevância causal.
Referências Bibliográficas
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2024.
MASSON, Cleber. Direito Penal – Parte Geral – Volume 1. São Paulo: Método, 2025.
SANCHES CUNHA, Rogério. Manual de Direito Penal – Parte Geral. Salvador: Juspodivm, 2025.
Código Penal Brasileiro – atualizado até 2025.
Notas da aula de 07/05/2025 – Prof. Francisco Geraldo Matos Santos.
STJ. 5ª Turma. REsp 1.563.169-DF, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/03/2016.
STF. 2ª Turma. AP 975/AL, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 03/10/2017 (Informativo 880).