O que você verá neste post
Introdução
As Anotações Acadêmicas de 02/05/2025 da disciplina de Negócios Jurídicos trazem uma análise detalhada dos defeitos que comprometem a validade dos negócios jurídicos no Direito Civil.
Com base em autores como Gonçalves, Tartuce e Gagliano, o conteúdo examina situações em que a vontade jurídica se apresenta viciada, como nos casos de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores. Tais vícios podem tornar o negócio jurídico anulável ou até mesmo nulo.
Assim, o Código Civil de 2002, com base nos princípios da boa-fé e da função social do contrato, regulamenta essas hipóteses nos artigos 138 a 165. A correta identificação desses defeitos é essencial para a proteção da boa-fé, da liberdade contratual e do equilíbrio nas relações jurídicas.
Este artigo oferece a transcrição integral da aula de 02/05/2025, enriquecida com doutrina atualizada e exemplos práticos, proporcionando uma visão completa, técnica e acessível sobre o tema.
O que são os defeitos do negócio jurídico?
Para compreender os defeitos do negócio jurídico, é necessário retomar um ponto essencial do Direito Civil: a declaração de vontade é um dos elementos imprescindíveis à existência do negócio jurídico, desde que manifestada de forma livre e espontânea.
Quando essa vontade está viciada, surgem os chamados vícios ou defeitos, que afetam a validade do ato praticado.
Como adverte Flávio Tartuce (2020, p. 386), os defeitos do negócio jurídico “alcançam a vontade ou geram uma repercussão social, tornando o negócio passível de ação anulatória ou declaratória de nulidade pelo prejudicado ou interessado”.
Em outras palavras, trata-se de imperfeições que comprometem a essência da manifestação de vontade e, por consequência, o próprio negócio celebrado.
Esses vícios estão localizados no chamado plano da validade, ou seja, não se trata da inexistência do ato, mas de sua ineficácia jurídica ou sua suscetibilidade à anulação.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, citando Francisco Amaral (2020, p. 431), os “defeitos do negócio jurídico são, pois, as imperfeições que nele podem surgir, decorrentes de anomalias na formação da vontade ou na sua declaração”.
De forma prática, os defeitos do negócio jurídico são hipóteses em que a vontade se apresenta com algum vício que acarreta a anulabilidade do negócio, nos termos do art. 171, II, do Código Civil.
Esse dispositivo legal estabelece que são anuláveis os negócios jurídicos quando viciados por erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
Classificação dos defeitos do negócio jurídico
O Código Civil Brasileiro organiza os defeitos do negócio jurídico da seguinte forma:
Erro
Dolo
Coação
Estado de perigo
Lesão
Fraude contra credores
Esses vícios estão disciplinados entre os arts. 138 a 165 do Código Civil e, em sua essência, representam formas pelas quais a vontade declarada se distancia da vontade real ou se manifesta com objetivos desviados da boa-fé.
Além disso, a doutrina costuma agrupar esses defeitos em duas categorias principais:
Vícios do consentimento – quando a vontade não corresponde à intenção real do agente, como nos casos de erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão.
Vícios sociais – quando há um desvio do fim social ou econômico do negócio, como ocorre na fraude contra credores e na simulação (esta última tratada no capítulo da invalidade do negócio jurídico, como causa de nulidade absoluta).
Segundo Gonçalves (2020), essa distinção é importante, pois reflete não apenas a natureza do vício, mas também os interesses protegidos pelo ordenamento jurídico — seja o interesse privado da parte lesada, seja o interesse público ou coletivo no caso de fraudes.
A partir da próxima seção, exploraremos detalhadamente cada uma dessas espécies de defeitos, iniciando pelo erro — considerado um dos vícios mais complexos e relevantes do ponto de vista teórico e prático.
Erro como defeito do negócio jurídico
O erro, também chamado de erro-vício, é uma forma de vício do consentimento que compromete a validade do negócio jurídico. Trata-se de uma falsa percepção da realidade, em que o agente atua sob uma impressão equivocada sobre determinada circunstância essencial à realização do ato.
Esse engano, quando relevante, pode tornar o negócio jurídico anulável, conforme prevê o art. 171, II, do Código Civil.
Conceito doutrinário
Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2020, p. 431), “o erro consiste em uma falsa representação da realidade. Nessa modalidade de vício do consentimento, o agente engana-se sozinho. Quando é induzido em erro pelo outro contratante ou por terceiro, caracteriza-se o dolo”.
Flávio Tartuce (2020, p. 387) complementa que o erro é um “engano fático, uma falsa noção em relação a uma pessoa, ao objeto do negócio ou a um direito, que acomete a vontade de uma das partes que celebrou o negócio jurídico”.
O próprio Código Civil equipara os efeitos do erro à ignorância, considerando erro a ideia falsa da realidade e ignorância o desconhecimento completo da realidade.
No entanto, nem todo erro leva à anulação do negócio. É necessário verificar se o erro é substancial (ou essencial) e se ele poderia ser percebido por uma pessoa de diligência normal, como dispõe o art. 138 do Código Civil.
Espécies de erro
O erro pode se manifestar de diversas formas, mas a classificação mais relevante na prática jurídica é:
Erro substancial (ou essencial)
Erro acidental
Erro substancial
Conforme Gonçalves (2020, p. 432), é o erro que recai sobre circunstâncias relevantes do negócio jurídico, sendo sua causa determinante. Ou seja, se o agente conhecesse a realidade, não celebraria o negócio.
O art. 139 do Código Civil apresenta um rol exemplificativo de situações em que o erro é considerado substancial:
I – quando interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma de suas qualidades essenciais.
📌 Exemplo: a pessoa pensa estar comprando uma tela de um pintor famoso, quando na verdade trata-se de obra de um aprendiz.
II – quando concerne à identidade ou qualidade essencial da pessoa, desde que isso tenha influenciado de modo relevante.
📌 Exemplo: alguém faz doação a uma pessoa acreditando que é seu filho biológico, mas depois descobre que houve equívoco.
III – quando o erro é de direito, e constitui o motivo único ou principal do negócio jurídico.
📌 Exemplo: contratar importação de produto sem saber que a lei proíbe tal prática.
Erro acidental
Trata-se de um erro que não incide sobre elementos essenciais do negócio, mas sobre detalhes secundários, que não impediriam sua celebração, mesmo que conhecidos.
Segundo o art. 142 do Código Civil, esse tipo de erro não anula o negócio.
📌 Exemplo: erro numérico no número do RG do contratante, quando os demais dados permitem a sua identificação correta.
O art. 143, por sua vez, trata do erro de cálculo, que também não invalida o negócio jurídico, mas autoriza sua correção.
Erro escusável
É o erro justificável, desculpável, cometido por pessoa de conduta compatível com a média de diligência exigida.
O art. 138 do Código Civil estabelece que o erro deve ser aquele “que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal”, ou seja, escusável.
Segundo o Enunciado 12 da I Jornada de Direito Civil, é irrelevante ser ou não escusável o erro, pois o artigo adota o princípio da confiança, focando na expectativa legítima gerada na outra parte.
Erro real
Para que o erro gere anulação, ele também deve ser real, ou seja, causador de um prejuízo concreto.
📌 Exemplo citado por Gonçalves: compra de um veículo anunciado como ano 2009, mas que na verdade foi fabricado em 2005. Se o comprador soubesse a verdade, não teria fechado o negócio.
Falso motivo (erro sobre os motivos)
Regulado pelo art. 140 do Código Civil, esse tipo de erro só gera efeitos quando o motivo foi expressamente declarado no contrato como razão determinante.
📌 Exemplo: alguém doa um imóvel acreditando que o donatário lhe salvou a vida. Se essa informação foi expressamente registrada no contrato, o negócio pode ser anulado se for falsa.
Transmissão errônea da vontade
Nos termos do art. 141 do Código Civil, quando a declaração de vontade é transmitida por meio de terceiros ou instrumentos falhos, e há divergência entre o que se quis dizer e o que foi entendido, o negócio é anulável.
📌 Exemplo: envio de mensagem por e-mail com erro de digitação no número de unidades contratadas.
Convalescimento do erro
O erro pode ser convalidado, desde que a outra parte aceite cumprir o negócio conforme a real vontade do manifestante, conforme o art. 144 do Código Civil.
📌 Exemplo: vendedor entrega o imóvel correto conforme desejado pelo comprador, apesar de ter constado outra unidade no contrato.
Prazo para anular o negócio jurídico por erro
O prazo para propor a ação anulatória é de quatro anos, contados da celebração do negócio jurídico, conforme o art. 178, II, do Código Civil.
Dolo como defeito do negócio jurídico
O dolo é um dos vícios mais graves do consentimento, pois está associado à conduta maliciosa de uma das partes com o objetivo de induzir a outra ao erro, levando-a a celebrar um negócio jurídico que não teria feito se tivesse conhecimento da realidade.
Em essência, trata-se de um ato intencional de má-fé, capaz de afetar diretamente a validade do negócio jurídico.
Conceito doutrinário
De acordo com a doutrina civilista, o dolo consiste em manobras enganosas, mentiras ou omissões dolosas praticadas com o objetivo de obter vantagem ilícita, em prejuízo do outro contratante.
O dolo é, portanto, um vício na formação da vontade — ao contrário do erro, que decorre de engano unilateral, o dolo pressupõe a participação ativa de outra pessoa, que atua de forma ardilosa para influenciar o comportamento do outro.
Embora o conteúdo da aula transcrita ainda não tenha explorado os artigos específicos sobre o dolo, é importante destacar que o Código Civil trata do tema nos artigos 145 a 150, disciplinando suas formas, consequências e distinções relevantes, como veremos a seguir.
Tipos de dolo
A doutrina e a legislação distinguem duas formas principais de dolo:
1. Dolo principal
É aquele que determina a celebração do negócio jurídico. Sem a influência dolosa, o contrato não teria sido firmado. Nesse caso, o vício é grave e torna o negócio jurídico anulável, nos termos do art. 171, II do Código Civil.
📌 Exemplo: vendedor oculta deliberadamente que o imóvel vendido está localizado em área de risco ambiental, induzindo o comprador a adquirir o bem.
2. Dolo acidental
Ocorre quando, mesmo sem a prática dolosa, a parte ainda celebraria o negócio, mas em outras condições. Não acarreta anulabilidade, mas pode dar ensejo a indenização por perdas e danos, conforme prevê o art. 146 do Código Civil.
📌 Exemplo: o vendedor omite que o imóvel precisa de reformas, o que faz com que o comprador pague um valor mais alto.
Dolo de terceiro
Também é possível que o dolo seja praticado por um terceiro alheio à relação negocial, mas com conhecimento da parte beneficiada. Nessa hipótese, conforme o art. 148 do Código Civil, o negócio também é anulável, desde que se comprove que o beneficiário tinha ciência do ardil.
📌 Exemplo: corretor de imóveis, sem autorização do vendedor, presta informações falsas ao comprador, e o vendedor se aproveita dessa situação para concluir o negócio.
Dolo bilateral (ou dolo recíproco)
Quando ambas as partes agem com dolo, tentando obter vantagens indevidas, o negócio não pode ser anulado por nenhuma delas, de acordo com o princípio da reciprocidade da má-fé.
📌 Exemplo: comprador e vendedor ocultam informações relevantes intencionalmente um do outro.
Omissão dolosa e dolo por silêncio
O dolo também pode se manifestar por omissão, quando alguém deixa de informar algo relevante, estando legalmente ou contratualmente obrigado a fazê-lo. Isso é chamado de dolo por silêncio, e também vicia o negócio, como prevê o art. 147 do Código Civil.
📌 Exemplo: vendedor que sabe da existência de débitos fiscais incidentes sobre um bem e não os comunica ao comprador.
Provas e consequências do dolo
O dolo, por ser um vício de consentimento, deve ser comprovado por quem o alega, e sua demonstração depende da análise das circunstâncias do caso concreto, como comunicações entre as partes, cláusulas contratuais e condutas observadas.
Se reconhecido, o negócio jurídico será anulável, e o prejudicado poderá requerer também indenização pelos danos materiais e morais sofridos, caso haja prejuízo demonstrado.
📌 Importante: o prazo para ação anulatória em caso de dolo é de quatro anos, conforme estabelece o art. 178, II, do Código Civil, contados da celebração do negócio.
Coação como defeito do negócio jurídico
A coação é um vício do consentimento que se caracteriza pela pressão exercida sobre a vontade do agente, de forma a restringir sua liberdade de decisão.
Ao contrário do dolo, em que há manipulação da realidade, a coação atua diretamente sobre a psique ou o corpo do indivíduo, forçando-o a praticar um ato que não realizaria voluntariamente.
Conceito doutrinário
Para Carlos Roberto Gonçalves (2020, p. 455), a coação é definida como “toda ameaça ou pressão injusta exercida sobre um indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio”.
Complementando, Flávio Tartuce (2020, p. 397) considera a coação como “uma pressão física ou moral exercida sobre o negociante, visando obrigá-lo a assumir uma obrigação que não lhe interessa”.
De modo geral, a coação pode ser física (absoluta) ou moral (relativa), e afeta profundamente a autonomia da vontade, razão pela qual o negócio jurídico realizado sob esse vício é anulável, nos termos do art. 171, II do Código Civil.
Disposições legais
A coação está regulamentada nos arts. 151 a 154 do Código Civil. De acordo com o art. 151, para que a coação vicie a declaração de vontade, ela deve incutir no paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens. O parágrafo único do mesmo artigo acrescenta que, se a ameaça envolver pessoa fora da família, o juiz decidirá conforme as circunstâncias.
📌 Exemplo: sujeito é ameaçado de agressão física se não assinar um contrato. Embora possa optar por não celebrar o negócio, o faz por medo, o que descaracteriza a liberdade de manifestação da vontade.
Espécies de coação
Coação absoluta (ou física)
É aquela em que não há qualquer manifestação válida de vontade, pois a pessoa é forçada fisicamente a praticar o ato. Nesses casos, o negócio jurídico será nulo, por ausência completa de consentimento.
📌 Exemplo: alguém segura o braço de um analfabeto e força a impressão digital em um contrato.
Conforme Tartuce (2020, p. 397-398), trata-se de constrangimento corporal que retira toda a capacidade de querer da parte, implicando nulidade absoluta do negócio jurídico.
Coação relativa (ou moral)
É a forma mais comum, caracterizada pela ameaça psicológica que impõe à vítima um temor relevante e imediato, obrigando-a a celebrar o negócio. Neste caso, a coação vicia o consentimento, tornando o ato anulável.
📌 Exemplo: ameaça de divulgar segredo pessoal caso a pessoa não assine determinado contrato.
Requisitos da coação (segundo Gonçalves, 2020)
Para que a coação gere a anulabilidade do negócio jurídico, ela deve preencher alguns requisitos cumulativos:
Ser causa determinante do ato – Deve existir uma relação de causalidade entre a coação e a prática do negócio.
Ser grave – O temor incutido deve ser relevante e atingível, considerando as particularidades da vítima.
Ser injusta – A ameaça deve ser ilícita, abusiva ou desproporcional. A ameaça do exercício legítimo de um direito não configura coação.
📌 Exemplo: ameaçar protestar um título vencido não é coação.Dizer respeito a dano atual ou iminente – O risco não pode ser remoto ou improvável.
📌 Exemplo: ameaça de causar prejuízo irreversível se não houver adesão imediata ao contrato.
O art. 152 do Código Civil reforça que, ao avaliar a gravidade da coação, o juiz deve considerar fatores como o sexo, idade, saúde e temperamento do paciente, além de todas as circunstâncias que possam influenciar.
Já o art. 153 esclarece que não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial, ou seja, o receio de desagradar alguém por respeito ou subordinação.
📌 Exemplo: uma pessoa assina contrato apenas para não desapontar seus pais. Essa motivação, por si só, não caracteriza coação.
Prazo para ação anulatória por coação
Nos termos do art. 178, I do Código Civil, o prazo para anular o negócio jurídico eivado por coação é de quatro anos, contados da data em que cessar a coação.
Estado de perigo como defeito do negócio jurídico
O estado de perigo é um vício do consentimento que ocorre quando uma pessoa, para salvar-se a si ou a outrem de um perigo iminente de dano grave, assume uma obrigação excessivamente onerosa, aproveitada pela outra parte.
É uma forma de vício que se caracteriza pela situação de emergência em que o agente se encontra, o que afeta profundamente sua liberdade de contratar.
Conceito jurídico e base legal
Conforme previsto no art. 156 do Código Civil, o estado de perigo é definido da seguinte forma:
“Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.”
Esse dispositivo revela dois aspectos centrais para a caracterização do estado de perigo:
A presença de um perigo real e iminente, que gere a necessidade de tomada urgente de uma medida.
A assunção de obrigação desproporcional, aproveitada pela parte contrária que tem conhecimento da situação de emergência do contratante.
Natureza jurídica
Trata-se de um vício do consentimento, pois a manifestação de vontade está viciada pela situação limite enfrentada pelo agente. No entanto, há também uma dimensão social e econômica, já que o estado de perigo frequentemente resulta na celebração de negócios com condições injustas e desequilibradas, o que contraria os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato.
📌 Exemplo clássico: uma pessoa paga valor exorbitante a um médico ou hospital para internar urgentemente um familiar em risco de morte, e esse valor é aproveitado de forma abusiva pela outra parte.
Elementos caracterizadores
Segundo a doutrina, para que se configure o estado de perigo, devem estar presentes os seguintes elementos:
Perigo atual e iminente de dano grave – o risco deve ser real e urgente, não se admitindo hipóteses futuras ou genéricas.
Relação de parentesco ou vínculo com a pessoa ameaçada – o dano pode ser em relação ao próprio contratante ou a pessoa próxima, como familiares.
Assunção de obrigação excessiva – o contrato deve impor uma carga desproporcional à parte em perigo.
Conhecimento do perigo pela outra parte – o contratante beneficiado deve ter ciência da situação de urgência do outro.
Se todos esses requisitos estiverem presentes, o negócio jurídico é considerado anulável, conforme o art. 171, II do Código Civil.
Doutrina complementar
Carlos Roberto Gonçalves e Flávio Tartuce apontam que o estado de perigo guarda certa semelhança com a lesão, pois em ambos há um desequilíbrio contratual. No entanto, no estado de perigo, o desequilíbrio decorre de uma situação externa e urgente (perigo real), enquanto na lesão a desproporção resulta da inexperiência ou da necessidade da parte.
Finalidade da norma
A disciplina jurídica do estado de perigo visa proteger o contratante vulnerável, impedindo que alguém se aproveite da fragilidade do outro para impor condições injustas. Isso reforça a centralidade dos princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual, que permeiam o Direito Civil contemporâneo.
Consequência jurídica
O contrato celebrado sob estado de perigo pode ser anulado judicialmente pela parte prejudicada, desde que demonstre os requisitos legais. Além disso, poderá ser requerida a restituição dos valores pagos indevidamente e, se for o caso, indenização por danos.
O prazo para ajuizamento da ação anulatória é de quatro anos, conforme o art. 178, II do Código Civil, contados da celebração do negócio.
Lesão como defeito do negócio jurídico
A lesão é um vício do consentimento que ocorre quando uma das partes, por necessidade ou inexperiência, se obriga em condições desproporcionais em relação à contraprestação recebida.
Trata-se de uma violação à justiça contratual, em que uma parte se aproveita da vulnerabilidade da outra para obter vantagem excessiva.
Base legal
A lesão está prevista no art. 157 do Código Civil, que dispõe:
“Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1º A premente necessidade ou a inexperiência devem ser contemporâneas à conclusão do negócio.
§ 2º Não se decretará a lesão se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.”
Esse dispositivo legal mostra que a lesão é reconhecida mesmo que não haja má-fé direta da outra parte, bastando a desproporcionalidade objetiva da relação contratual aliada à situação de necessidade ou inexperiência da parte lesada.
Elementos caracterizadores
Para que se configure a lesão como vício do consentimento, é necessário que estejam presentes os seguintes requisitos cumulativos:
Premente necessidade ou inexperiência da parte lesada
Necessidade: situação de urgência econômica ou pessoal.
Inexperiência: falta de conhecimento técnico ou jurídico sobre o negócio.
Desproporção manifesta entre as prestações
O desequilíbrio deve ser evidente, objetivamente constatável no momento da celebração do negócio.
Contemporaneidade da necessidade/inexperiência com o negócio
A vulnerabilidade deve existir no momento da assinatura do contrato, não sendo suficiente um evento posterior.
📌 Exemplo: uma pessoa vende um bem valioso por preço muito inferior ao de mercado porque precisa pagar uma dívida urgente, sendo esse fato explorado pela outra parte.
Natureza jurídica
A lesão é considerada um vício do consentimento, mas com forte carga objetiva, pois independe da intenção fraudulenta da parte beneficiada. O foco está na proteção do contratante vulnerável e na equidade contratual.
É possível evitar a anulação do contrato se:
a parte beneficiada oferecer suplemento suficiente à prestação, ou
aceitar reduzir seu proveito conforme previsto no § 2º do art. 157.
Comparação com o estado de perigo
A lesão e o estado de perigo apresentam semelhanças, como:
Ambos envolvem situações de vulnerabilidade.
Resultam em desequilíbrio contratual significativo.
Contudo, diferem em sua causa:
Na lesão, a desproporção decorre da inexperiência ou necessidade.
No estado de perigo, há perigo iminente de dano grave, explorado pela outra parte.
Jurisprudência e doutrina
A doutrina, como Carlos Roberto Gonçalves e Flávio Tartuce, destaca que a lesão ganhou força com o advento do Código Civil de 2002, em consonância com os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva. A jurisprudência tem reconhecido sua aplicação principalmente em contratos de consumo, imobiliários e bancários.
Consequência jurídica
O contrato celebrado com lesão é anulável, e o prazo para pleitear a anulação é de quatro anos, conforme o art. 178, II do Código Civil, contados da celebração do negócio. A parte lesada pode requerer a anulação total ou parcial, ou a revisão contratual para reequilibrar as obrigações.
Fraude contra credores como defeito do negócio jurídico
A fraude contra credores é um defeito do negócio jurídico que não compromete diretamente a vontade individual do contratante, mas sim a finalidade social e patrimonial do negócio jurídico, pois é praticada com o intuito de prejudicar credores, tornando ineficaz o cumprimento de obrigações legais ou contratuais preexistentes.
Natureza e fundamento legal
A fraude contra credores está prevista nos arts. 158 a 165 do Código Civil, que disciplinam os casos em que atos jurídicos podem ser anulados por prejuízo aos credores, especialmente quando há diminuição injustificada do patrimônio do devedor.
O art. 158, caput, dispõe:
“Os negócios de transmissão gratuita de bens, ou remissão de dívida, se o devedor já era insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, podem ser anulados pelos credores, quando lhes causarem prejuízo.”
Assim, configura-se a fraude contra credores quando:
Há um negócio jurídico realizado pelo devedor.
Que implique diminuição do seu patrimônio.
Com o intuito de fraudar ou dificultar a satisfação de dívidas preexistentes.
Com consciência da insolvência por parte do devedor e, em certos casos, conluio ou ciência da outra parte.
Requisitos para a caracterização
A doutrina e a jurisprudência destacam dois elementos fundamentais para a configuração da fraude contra credores:
Eventus damni: prejuízo efetivo aos credores, decorrente da redução ou dilapidação do patrimônio do devedor.
Consilium fraudis: intenção deliberada do devedor de fraudar os credores. Quando o negócio é oneroso, exige-se a participação ou ciência do terceiro contratante.
📌 Exemplo: um devedor transfere todos os seus bens para um parente sem contraprestação financeira, visando evitar futura execução judicial movida por um credor.
Tipos de atos fraudulentos
Atos gratuitos
Negócios como doações, perdão de dívidas ou renúncias patrimoniais feitos sem contraprestação, são presumidamente fraudulentos se o devedor já era ou se tornou insolvente em decorrência deles. A intenção fraudulenta é presumida, e não se exige prova do dolo ou da ciência do favorecido.
📌 Exemplo: doação de imóvel do devedor a um parente quando já existiam dívidas vencidas e não pagas.
Atos onerosos
Nos negócios onerosos (ex: compra e venda), é necessário provar a existência do prejuízo (eventus damni) e a ciência da má-fé por parte do adquirente (consilium fraudis).
📌 Exemplo: venda de veículo a um amigo com valor muito abaixo do mercado para “fugir” de bloqueio judicial iminente.
Efeitos jurídicos
O negócio jurídico feito em fraude contra credores é considerado anulável, e sua invalidação pode ser pleiteada pelos credores lesados por meio da ação pauliana (revocatória), prevista no art. 161 do Código Civil.
A ação pauliana tem como finalidade tornar ineficaz o negócio jurídico perante os credores, restaurando o patrimônio do devedor como garantia das dívidas. Importante destacar que não anula o negócio em si, mas apenas em relação ao credor autor da ação.
Prazo para propositura da ação
Conforme o art. 178, § 9º, inciso V, alínea “a” do Código Civil, a ação para anular atos fraudulentos deve ser proposta no prazo de quatro anos, contados da data do ato ou da ciência do credor.
Observações doutrinárias
Carlos Roberto Gonçalves (2020) destaca que a fraude contra credores não tem como foco a vontade viciada do contratante, mas sim a função patrimonial do negócio jurídico, sendo classificada como vício social, pois afeta terceiros alheios à relação contratual.
Além disso, doutrinadores como Tartuce e Gagliano defendem que essa forma de defeito se conecta diretamente com o princípio da função social do contrato e da preservação da boa-fé nas relações jurídicas.
Conclusão
As Anotações Acadêmicas de 02/05/2025 sobre os defeitos do negócio jurídico nos conduzem a uma profunda reflexão sobre a importância da vontade livre, consciente e íntegra na formação dos contratos. A manifestação da vontade, quando viciada por elementos como erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores, compromete a validade ou a eficácia do negócio jurídico, tornando-o passível de anulação ou nulidade.
Cada vício analisado ao longo deste artigo revela nuances próprias:
O erro reflete o equívoco de uma das partes quanto a elementos essenciais do negócio.
O dolo representa a manipulação intencional da realidade para enganar.
A coação envolve pressão física ou moral que elimina a liberdade do contratante.
O estado de perigo e a lesão revelam situações de desvantagem contratual exploradas injustamente.
Já a fraude contra credores protege o interesse de terceiros, especialmente quando há intenção de esvaziar o patrimônio do devedor.
A compreensão dessas categorias é essencial para qualquer estudante ou profissional do Direito que atue com contratos, obrigações ou responsabilidade civil.
Mais do que simples classificações legais, os defeitos do negócio jurídico refletem a necessidade de garantir equilíbrio, boa-fé e justiça contratual, pilares fundamentais da ordem jurídica brasileira.
O Código Civil de 2002, com sua estrutura principiológica baseada na função social do contrato e na boa-fé objetiva, representa um avanço importante nesse cenário, ao oferecer mecanismos eficazes para coibir abusos e restaurar a integridade das relações jurídicas.
Ao consolidar o conteúdo ministrado em sala de aula, este artigo pretende ser uma ferramenta prática e teórica, servindo tanto ao aprimoramento acadêmico quanto à aplicação profissional.
Referências Bibliográficas
- GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Volume III: Contratos e Atos Unilaterais. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
- TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil – Volume Único. 8. ed. São Paulo: Método, 2020.
- GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Contratos. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
- DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Volume III: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
- Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002).