O que você verá neste post
Introdução
Litispendência e Conexão são institutos essenciais para garantir a coerência, a segurança jurídica e a eficiência no âmbito do processo civil brasileiro. Ambos visam evitar decisões judiciais conflitantes em ações que envolvem os mesmos sujeitos ou questões interligadas, promovendo a racionalização da atividade jurisdicional.
A crescente judicialização das relações sociais, somada ao elevado número de processos em trâmite, aumenta significativamente o risco de julgamentos contraditórios sobre fatos semelhantes.
Esse fenômeno compromete a previsibilidade do sistema, gera insegurança jurídica e onera o Poder Judiciário com demandas repetidas ou conexas que poderiam ser tratadas de forma unificada.
Neste artigo, analisaremos detalhadamente os conceitos, requisitos legais e efeitos processuais da Litispendência e da Conexão à luz do Código de Processo Civil de 2015.
Serão abordadas as principais distinções entre os dois institutos, exemplos práticos, jurisprudência atualizada e os desafios enfrentados na sua aplicação.
Conceito de Litispendência
A litispendência é um instituto processual previsto expressamente no artigo 337, §1º, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015). Ela ocorre quando se propõe uma nova ação idêntica a outra já em curso, ou seja, que possua as mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido.
Essa tríplice identidade é o elemento definidor da litispendência, cujo objetivo é impedir que o Poder Judiciário aprecie mais de uma vez a mesma controvérsia jurídica, evitando duplicidade de esforços e o risco de decisões conflitantes.
Em outras palavras, quando duas ações possuem essa identidade, considera-se que há uma repetição da demanda, e o ordenamento jurídico impõe a extinção da segunda ação, sem resolução do mérito, conforme determina o artigo 485, inciso V, do CPC/2015.
A litispendência, portanto, protege o princípio da unicidade da jurisdição, ao assegurar que uma mesma lide seja processada e julgada uma única vez.
Requisitos para caracterização da Litispendência
Para que se configure a litispendência, é imprescindível a presença cumulativa de três elementos:
Mesmas partes: os sujeitos ativo e passivo devem ser os mesmos nos dois processos.
Mesma causa de pedir: refere-se ao fundamento jurídico e fático que origina o pedido.
Mesmo pedido: a pretensão formulada deve ser idêntica.
Se qualquer um desses elementos estiver ausente, não há litispendência, podendo haver apenas conexão entre os processos, como veremos adiante.
Exemplo: Imagine que João ajuíza uma ação contra Maria para cobrar uma dívida baseada em contrato de prestação de serviços. Posteriormente, João intenta nova ação com o mesmo pedido e com base nos mesmos fatos e contra a mesma pessoa. Essa repetição caracteriza litispendência, e a segunda ação deverá ser extinta, sem julgamento do mérito.
Efeitos da Litispendência
Os principais efeitos jurídicos da litispendência são:
Extinção do processo: a ação repetida deve ser extinta sem resolução de mérito (art. 485, V, CPC), garantindo que apenas a demanda originalmente proposta seja analisada.
Prevenção do juízo: o juízo onde a primeira ação foi proposta torna-se prevento, ou seja, competente para julgar o processo, evitando manipulação do foro.
Estabilização da lide: impede que as partes busquem múltiplas decisões sobre o mesmo conflito, promovendo a estabilidade das relações jurídicas.
Esses efeitos se alinham com os princípios da economia processual, da segurança jurídica e da boa-fé processual, pilares do moderno processo civil brasileiro.
Conceito de Conexão
A conexão é tratada no artigo 55 do Código de Processo Civil de 2015 e consiste na relação de afinidade entre duas ou mais ações, decorrente da identidade entre o pedido ou a causa de pedir, ainda que as partes sejam diferentes.
Diferente da litispendência, não se exige a tríplice identidade. Basta a coincidência parcial de elementos que justifique o julgamento conjunto para evitar decisões conflitantes ou contraditórias.
A finalidade da conexão é permitir que processos com algum grau de interdependência ou semelhança sejam reunidos para trâmite e julgamento simultâneo.
Dessa forma, o Judiciário assegura a coerência das decisões, evita retrabalho, reduz o risco de contradições e fortalece a prestação jurisdicional eficaz e uniforme.
Diferenças entre Litispendência e Conexão
Embora ambos os institutos busquem impedir decisões conflitantes e promover a economia processual, há diferenças fundamentais entre eles. A seguir, uma tabela comparativa simplifica a compreensão:
Critério | Litispendência | Conexão |
---|---|---|
Identidade entre ações | Partes, causa de pedir e pedido (tríplice identidade) | Apenas pedido ou causa de pedir |
Consequência | Extinção da segunda ação (art. 485, V, CPC) | Possibilidade de reunião dos processos (art. 55, §1º, CPC) |
Competência do juízo | Fixa-se pela prevenção do primeiro juízo | Pode ser deslocada para julgamento conjunto, conforme critério do juiz |
Objetivo principal | Evitar duplicidade de ações idênticas | Evitar decisões contraditórias em ações conexas |
Necessidade de identidade total | Sim | Não |
Efeitos da Conexão
A conexão pode gerar os seguintes efeitos no processo civil:
Reunião dos processos: quando houver conexão entre ações em trâmite perante juízos distintos, o juiz pode determinar a reunião deles para julgamento conjunto, desde que isso favoreça a celeridade e evite decisões conflitantes (art. 55, §1º, CPC).
Prevenção de conflito de decisões: a principal finalidade é evitar julgamentos contraditórios sobre matérias semelhantes ou interdependentes.
Otimização da atividade jurisdicional: o julgamento conjunto proporciona economia de tempo e recursos, reduzindo atos repetitivos e acelerando a solução das demandas.
Exemplo: Suponha que duas pessoas ajuízem ações distintas contra um mesmo plano de saúde, alegando negativa de cobertura por razões semelhantes. Ainda que os autores e valores pedidos sejam diferentes, os fundamentos jurídicos e fáticos são próximos. Neste caso, há conexão, e os processos podem ser reunidos para julgamento conjunto, evitando decisões divergentes.
A Relevância Processual dos Institutos
Os institutos da litispendência e da conexão desempenham um papel essencial na preservação da coerência e da eficiência do processo civil brasileiro.
Eles não apenas evitam a duplicidade de decisões sobre matérias idênticas ou correlatas, mas também asseguram uma distribuição mais racional da atividade jurisdicional, fortalecendo a confiança no sistema de justiça.
Segurança jurídica e coerência das decisões
A segurança jurídica é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Quando duas ou mais decisões judiciais conflitantes são proferidas sobre um mesmo fato ou sobre fatos semelhantes, instala-se um cenário de insegurança para as partes e para a sociedade.
Os institutos de litispendência e conexão atuam como mecanismos preventivos, garantindo que demandas sobre o mesmo objeto ou com vínculos relevantes sejam resolvidas de forma coesa.
Prevenção do “bis in idem”
A litispendência é, em essência, uma proteção contra o bis in idem, ou seja, contra o julgamento múltiplo da mesma pretensão. Ela impede que a parte utilize o Judiciário de maneira indevida para obter, por vias diversas, um mesmo resultado.
Essa proteção resguarda o processo de manobras que poderiam conduzir a duplicidade de sentenças e à desmoralização da jurisdição.
Já a conexão, embora não trate da repetição de ações idênticas, previne a dispersão de julgamentos sobre questões interdependentes. Dessa forma, contribui para a uniformização da jurisprudência, evitando conclusões contraditórias em matérias com fundamentos semelhantes.
Eficiência na prestação jurisdicional
Ao permitir a extinção de demandas repetidas (litispendência) e a reunião de processos conexos (conexão), o CPC/2015 assegura uma tramitação mais célere e organizada das ações judiciais. Essa racionalização evita desperdícios, reduz custos processuais e minimiza a sobrecarga do Judiciário.
Além disso, a reunião de processos conexos permite que o magistrado tenha uma visão mais ampla e integrada dos fatos e argumentos, o que favorece decisões mais justas, fundamentadas e técnicas.
Papel do juiz e do advogado na identificação dos institutos
Tanto o juiz quanto os advogados têm responsabilidade na identificação precoce de hipóteses de litispendência e conexão. A atuação diligente das partes e a atenção do magistrado são fundamentais para que os institutos cumpram sua função.
O reconhecimento da litispendência pode ocorrer de ofício ou por meio de alegação da parte ré, como prevê o art. 337 do CPC. Já a conexão pode ser alegada ou observada a qualquer tempo, promovendo a reunião dos feitos sempre que for útil ao processo.
Litispendência e Conexão no Novo CPC
A entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 trouxe significativos avanços no tratamento da litispendência e da conexão, consolidando uma abordagem mais sistemática, eficiente e alinhada aos princípios da cooperação e da duração razoável do processo.
Evolução normativa e modernização
Em comparação com o CPC de 1973, o novo código aprimorou a redação e a aplicação prática desses institutos. O legislador preocupou-se em oferecer maior segurança e clareza quanto aos critérios de identificação e às consequências jurídicas da litispendência e da conexão, fortalecendo o papel preventivo dessas figuras processuais.
Destaca-se a valorização do princípio da boa-fé processual, que permeia todo o novo código e reforça o dever das partes de atuar com lealdade e transparência.
A repetição indevida de ações ou a fragmentação artificial de litígios correlatos passou a ser ainda mais combatida, sob pena de sanções e responsabilização por eventual má-fé.
Cooperação processual e prevenção de decisões contraditórias
O CPC/2015 é fortemente influenciado pelo modelo cooperativo, em que o juiz, as partes e todos os sujeitos do processo devem colaborar para alcançar uma solução justa e efetiva.
Nesse sentido, a correta identificação da litispendência e da conexão é vista como um dever de todos os envolvidos, contribuindo para o bom andamento processual e para a uniformização da jurisprudência.
A conexão, por exemplo, pode ser reconhecida a qualquer momento, inclusive de ofício pelo magistrado, se verificar que o julgamento conjunto de ações conexas atenderá aos fins do processo.
Essa medida não é apenas uma faculdade, mas uma estratégia judicial eficaz, prevista no art. 55, §1º, que visa à prevenção de decisões incoerentes e à otimização dos recursos da máquina judiciária.
Instrumentos de controle de demandas múltiplas
Outro destaque do novo CPC é a valorização dos mecanismos que facilitam o controle de demandas múltiplas. A litispendência e a conexão atuam, nesse cenário, como ferramentas jurídicas que permitem ao juiz gerenciar melhor a multiplicidade de ações, identificando previamente os casos em que há repetição ou vínculo substancial.
O código também promove a integração com outros instrumentos processuais, como o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e o julgamento de casos repetitivos no âmbito dos tribunais superiores, mostrando uma preocupação sistêmica com a coerência jurisprudencial.
Desafios e críticas aos institutos
Apesar de sua indiscutível importância para a coerência e racionalidade do sistema processual, os institutos da litispendência e da conexão não estão isentos de críticas.
Assim, a aplicação prática desses conceitos ainda enfrenta desafios interpretativos e operacionais que podem comprometer sua eficácia.
Dificuldades na identificação da tríplice identidade
No caso da litispendência, a exigência da tríplice identidade (partes, causa de pedir e pedido) pode gerar discussões quanto à caracterização dos elementos da demanda.
Pequenas variações na redação do pedido ou na exposição dos fundamentos podem dificultar o reconhecimento da identidade entre as ações, abrindo margem para interpretações divergentes entre juízes.
Além disso, há situações em que as partes tentam camuflar a repetição da ação, modificando superficialmente algum elemento formal para evitar a extinção do processo.
Essa prática processual, muitas vezes maliciosa, desafia o controle do Judiciário e exige maior vigilância dos magistrados.
Conexão ampla e o risco de excessiva reunião processual
Quanto à conexão, uma crítica recorrente diz respeito ao excesso de flexibilidade que o instituto permite. Como não exige identidade de partes, há decisões que autorizam a reunião de ações com relação tênue, o que pode gerar complicações procedimentais, atrasos processuais e até mesmo prejuízos à parte mais diligente.
Em certos casos, a reunião de ações com diferentes graus de complexidade ou em estágios processuais distintos pode dificultar a administração da justiça, afastando-se do objetivo inicial de celeridade e economia.
Por isso, é necessário que a reunião de processos por conexão seja feita com critério e proporcionalidade.
Risco de manipulação do foro e da competência
Outro desafio é o possível uso estratégico dos institutos para manipular o juízo competente. Parte da doutrina aponta que a reunião de processos pode ser indevidamente utilizada para atrair a competência de determinado juízo mais “favorável”, principalmente em ações conexas.
Esse tipo de distorção compromete a isonomia entre as partes e enfraquece a imparcialidade da jurisdição.
Necessidade de uniformização jurisprudencial
A aplicação prática da litispendência e da conexão ainda carece de uniformidade jurisprudencial, especialmente nas instâncias inferiores. As variações de interpretação quanto ao grau de identidade necessário ou à conveniência da reunião de processos exigem a consolidação de entendimentos por meio de enunciados e precedentes vinculantes, fortalecendo a previsibilidade e a segurança jurídica.
Conclusão
A compreensão aprofundada dos institutos da litispendência e da conexão é essencial para qualquer operador do Direito que deseje atuar com responsabilidade e técnica no processo civil brasileiro.
Ambos constituem mecanismos fundamentais para preservar a integridade do sistema judicial, evitando decisões conflitantes, promovendo a economia processual e assegurando a eficiência da prestação jurisdicional.
A litispendência, ao impedir a duplicação de ações idênticas, protege o Judiciário contra a sobrecarga desnecessária e reforça a autoridade da primeira demanda proposta.
Já a conexão, ao possibilitar o julgamento conjunto de causas correlatas, favorece a harmonização das decisões e contribui para a celeridade do processo.
Neste artigo, analisamos os fundamentos legais, os requisitos, as diferenças e os efeitos desses institutos à luz do Código de Processo Civil de 2015, bem como os desafios e críticas que ainda envolvem sua aplicação prática.
Observamos que, apesar dos avanços legislativos, persistem dificuldades interpretativas e operacionais que demandam atenção doutrinária, jurisprudencial e legislativa.
Concluímos que a efetiva aplicação da litispendência e da conexão requer atuação colaborativa entre juízes, advogados e partes, pautada pela boa-fé e pelo compromisso com a justiça.
Em um sistema jurídico cada vez mais sobrecarregado e complexo, o uso técnico e ético desses institutos é não apenas desejável, mas necessário para que o processo civil cumpra sua missão constitucional de entregar decisões justas, previsíveis e em tempo razoável.
Continue acompanhando nossos conteúdos para fortalecer sua base jurídica com explicações claras, atualizadas e fundamentadas. Compartilhe este artigo com colegas e contribua para a disseminação de um Direito mais acessível e bem compreendido!
Referências Bibliográficas
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, vol. 1. Salvador: Juspodivm, 2023.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2024.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil, vol. 1. São Paulo: RT, 2023.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol. 1. São Paulo: Malheiros, 2022.
Código de Processo Civil – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
STJ – Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência sobre Litispendência e Conexão. Disponível em: https://www.stj.jus.br/