O que você verá neste post
Introdução
Os Defeitos do Negócio Jurídico representam um importante campo de estudo no Direito Civil, pois revelam situações em que a manifestação de vontade das partes está comprometida por vícios que podem afetar a validade do ato jurídico.
No contexto das relações contratuais, tais defeitos comprometem a liberdade, a consciência e a veracidade da intenção declarada, gerando consequências jurídicas relevantes.
Esses vícios, disciplinados entre os artigos 138 a 165 do Código Civil Brasileiro, abrangem figuras como o erro, o dolo, a coação, o estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores. Embora diferentes entre si, todos têm em comum o fato de desvirtuarem a vontade real do agente, podendo levar à anulabilidade do negócio.
Mais do que uma análise normativa, o estudo dos defeitos exige atenção ao princípio da boa-fé objetiva, previsto no artigo 422 do Código Civil. Esse princípio atua como parâmetro de conduta e critério interpretativo, impondo às partes a obrigação de agir com lealdade, confiança e respeito mútuo desde a fase pré-contratual até a execução do contrato.
Neste artigo, será apresentada uma visão geral dos Defeitos do Negócio Jurídico, com destaque para sua classificação, efeitos e, especialmente, o papel da boa-fé como fundamento ético e jurídico na proteção da integridade da vontade contratual.
Conceito de Defeitos do Negócio Jurídico
Os Defeitos do Negócio Jurídico constituem causas que afetam a validade da manifestação de vontade, comprometendo a formação do vínculo contratual. Esses vícios não dizem respeito à inexistência ou à ineficácia do negócio, mas sim à presença de um desvio na vontade declarada, tornando o ato anulável.
No ordenamento jurídico brasileiro, os defeitos do negócio jurídico estão expressamente previstos nos artigos 138 a 165 do Código Civil, e compreendem os seguintes institutos: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores.
A doutrina tradicional os denomina também de vícios da vontade (quando comprometem o aspecto volitivo do agente, como erro e coação) ou vícios sociais (quando envolvem má-fé ou intenção de prejudicar terceiros, como na fraude contra credores).
Todos eles, no entanto, têm como característica comum o fato de tornarem o negócio jurídico anulável, ou seja, eficaz até que sobrevenha decisão judicial que reconheça sua invalidade.
Diferente da nulidade, que atinge negócios contrários à lei ou à ordem pública e pode ser declarada de ofício, a anulabilidade exige provocação judicial por parte do sujeito prejudicado. Os prazos para ajuizamento da ação anulatória são, em regra, de quatro anos, contados conforme a situação concreta e conforme os critérios fixados no artigo 178 do Código Civil.
O reconhecimento de um defeito na formação do negócio não apenas compromete sua validade, mas também gera consequências jurídicas importantes, como:
A restituição das partes ao estado anterior (efeitos ex tunc).
A possibilidade de reparação por perdas e danos.
O fortalecimento de princípios fundamentais como a boa-fé, lealdade e função social dos contratos.
Em um cenário em que a autonomia da vontade é um dos pilares do Direito Privado, os defeitos do negócio jurídico funcionam como instrumentos de controle e equilíbrio, assegurando que a liberdade contratual não seja utilizada de forma abusiva ou manipuladora.
A Boa-fé Objetiva como Parâmetro de Validação
A boa-fé objetiva é um dos pilares do Direito Contratual moderno. Prevista no artigo 422 do Código Civil, ela estabelece que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Diferente da boa-fé subjetiva, que diz respeito ao estado psicológico do agente (ignorância ou ausência de má-fé), a boa-fé objetiva refere-se a um padrão ético de conduta exigido nas relações jurídicas. Trata-se de agir com lealdade, transparência, confiança mútua e cooperação — mesmo quando não há obrigação expressa prevista no contrato.
Nessa perspectiva, mesmo negócios formalmente perfeitos podem ser anulados se houver demonstração de conduta contrária à boa-fé objetiva durante sua formação ou execução.
Boa-fé como filtro dos vícios da vontade
A boa-fé objetiva funciona como parâmetro de interpretação dos defeitos do negócio jurídico. Ao analisar, por exemplo, se houve dolo, coação ou lesão, o juiz pode considerar se a conduta da parte violou os deveres anexos à boa-fé, como:
Dever de informação.
Dever de lealdade.
Dever de cooperação.
Dever de não frustrar a legítima confiança da outra parte.
Aplicações práticas e jurisprudência
A jurisprudência brasileira tem cada vez mais valorizado a boa-fé como instrumento de equilíbrio contratual. Decisões do STJ reconhecem que a violação da boa-fé objetiva pode ensejar:
A anulação do negócio jurídico por vício de consentimento;
Indenização por perdas e danos;
Aplicação de sanções contratuais ou legais por conduta abusiva.
Em suma, a boa-fé objetiva atua como limite ético à liberdade contratual, sendo critério central para o controle dos vícios da vontade no Direito Civil contemporâneo.
Espécies de Defeitos do Negócio Jurídico
O Código Civil brasileiro, dos artigos 138 a 165, disciplina de forma detalhada os vícios que afetam a formação válida do negócio jurídico.
Assim, esses defeitos podem ocorrer por falhas na percepção da realidade (erro), por condutas enganosas (dolo), ameaças (coação), situações de desespero (estado de perigo), exploração de vulnerabilidade (lesão) ou condutas fraudulentas contra credores.
Cada uma dessas figuras compromete a integridade da manifestação da vontade, e, por isso, pode tornar o negócio anulável, permitindo que a parte prejudicada requeira judicialmente sua invalidação. A seguir, abordamos as principais espécies.
1. Erro
O erro é o primeiro defeito previsto no Código Civil (art. 138) e consiste na falsa percepção da realidade no momento da formação da vontade contratual. O agente, ao manifestar sua intenção, baseia-se em premissas equivocadas que o levam a um resultado que não corresponderia à sua verdadeira intenção, caso conhecesse os fatos corretamente.
Para que o erro seja considerado relevante, ele precisa ser essencial, ou seja, deve recair sobre elementos fundamentais do negócio jurídico, como a identidade do objeto, a pessoa com quem se contrata ou a natureza da obrigação assumida.
Erros meramente acidentais, ou seja, que não influenciam de modo significativo na decisão de contratar, não ensejam a anulação do negócio.
O Código Civil ainda estabelece que o erro deve ser escusável, ou seja, cometido de forma justificável por pessoa de diligência comum. Se o erro for grosseiro, facilmente perceptível ou evitável com atenção razoável, ele não poderá ser invocado como causa de anulação.
O erro pode ser classificado como:
Erro de fato, quando recai sobre a realidade sensível ou objetiva (como a natureza do bem).
Erro de direito, quando há equívoco sobre normas jurídicas — desde que escusável (art. 139, III).
Um exemplo prático é o de alguém que compra um terreno acreditando que ele está localizado em zona urbana, quando, na verdade, está situado em área rural, o que compromete a viabilidade de construção desejada. Nesse caso, o erro sobre a natureza e destinação do bem pode ser considerado essencial e justificar a anulação do contrato.
Além disso, o Código prevê situações específicas de erro provocado por terceiros ou pela outra parte contratante, o que pode, inclusive, caracterizar dolo por omissão, sendo analisado em conjunto com o princípio da boa-fé.
2. Dolo
O dolo, previsto nos artigos 145 a 150 do Código Civil, consiste na utilização de artifícios enganosos, por uma das partes, com o intuito de induzir a outra à celebração de um negócio jurídico que não realizaria se soubesse da verdade.
Portanto, trata-se de um vício da vontade que envolve intenção maliciosa, sendo, portanto, mais grave que o erro, pois há aqui má-fé deliberada.
Carlos Roberto Gonçalves define o dolo como o “artifício, o expediente astucioso empregado para induzir alguém à prática de um ato que o prejudica e aproveita ao autor da manobra ou a terceiro” (2025). Para que seja reconhecido juridicamente, o dolo deve ser comprovado mediante os seguintes elementos:
Conduta maliciosa (como dissimulação, omissão ou falsidade).
Intenção deliberada de enganar (animus dolandi).
Eficácia causal, ou seja, o engano deve ter sido decisivo para a manifestação da vontade.
Prejuízo para a vítima e vantagem para o autor da manobra ou para terceiro.
O dolo pode se manifestar de várias formas, sendo classificado da seguinte maneira:
Dolo principal
É aquele que, se ausente, impediria a formação do negócio. Gera a anulabilidade do contrato, pois foi essencial para a manifestação da vontade. Exemplo: ocultar problemas estruturais graves em um imóvel, fazendo com que o comprador aceite o negócio acreditando se tratar de um bem em perfeito estado.
Dolo acidental
Não influencia a formação do negócio, mas altera suas condições. Embora não gere anulação, autoriza indenização por perdas e danos (art. 146 do CC). Exemplo: falsa alegação sobre a baixa quilometragem de um veículo, sem que isso influencie a decisão de compra, mas altere o valor negociado.
Dolo de terceiro
Ocorre quando a manobra é realizada por alguém estranho à relação contratual. O negócio poderá ser anulado se a parte beneficiada souber do dolo ou dele se beneficiar diretamente, nos termos do art. 148. Exemplo: corretor que presta informações falsas ao comprador, com ciência do vendedor.
Dolo bilateral (ou recíproco)
Acontece quando ambas as partes agem com má-fé. Nesse caso, nenhuma poderá alegar o vício para invalidar o negócio, pois ambas contribuíram para o desequilíbrio contratual (art. 150 do CC). Exemplo: simulação de valor menor em contrato de compra e venda para fraudar o Fisco.
A prática dolosa, além de comprometer a validade do negócio jurídico, fere diretamente a boa-fé objetiva, pois quebra a confiança legítima depositada pela outra parte na formação do contrato.
A jurisprudência tem reconhecido que, em casos de dolo, além da anulação, pode haver responsabilidade civil por danos materiais e morais, especialmente quando a conduta dolosa gera prejuízos expressivos ou atinge direitos de personalidade.
3. Coação
A coação, prevista nos artigos 151 a 155 do Código Civil, ocorre quando uma das partes é levada a manifestar sua vontade sob o efeito de uma ameaça capaz de incutir fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, aos seus bens ou a terceiros.
Trata-se de um vício da vontade que compromete a liberdade de escolha, substituindo-a por medo ou pressão psicológica.
Requisitos para caracterização
Para que a coação seja juridicamente relevante, é necessário que a ameaça seja grave, ilegítima, cause temor justificado e seja determinante para a realização do negócio. A coação pode ser física (quando há uso direto de força) ou moral (pressão psicológica), sendo esta última a mais comum nos contratos civis.
Exemplo prático e atuação de terceiros
É o que ocorre, por exemplo, quando alguém é forçado a vender um bem com deságio excessivo para evitar prejuízos a um parente. O artigo 153 do Código Civil também admite a anulação do negócio quando a coação é exercida por terceiro, desde que a outra parte soubesse ou devesse saber da situação.
Prazo para anulação e relação com a boa-fé
O prazo para requerer a anulação é de quatro anos, contados a partir do momento em que cessar a coação (art. 178, II, CC). Assim como o dolo, a coação viola diretamente o princípio da boa-fé objetiva, pois impede que a vontade se forme de maneira livre e consciente, comprometendo a legitimidade do vínculo contratual.
Estado de Perigo
O estado de perigo é uma figura jurídica introduzida pelo Código Civil de 2002, prevista no artigo 156, e caracteriza-se pela celebração de um negócio jurídico sob pressão emocional extrema, em que a parte se vê compelida a aceitar condições excessivamente onerosas para salvar a si ou a outrem de um mal iminente. Trata-se de um vício da vontade baseado na situação de desespero, que afeta a capacidade de avaliação racional do sujeito.
Dispõe o artigo 156:
“Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.”
Diferente da coação, onde o vício decorre de uma ameaça externa, o estado de perigo decorre da situação concreta vivida pela própria parte, e que é explorada pela outra parte que conhece tal vulnerabilidade e dela se aproveita.
Para que o negócio seja considerado anulável por estado de perigo, é necessário que estejam presentes os seguintes requisitos:
Existência de grave dano iminente;
Relação de proximidade com o bem a ser protegido (normalmente vida, saúde ou integridade própria ou de pessoa próxima);
Assunção de obrigação excessivamente onerosa;
Ciência da outra parte sobre o estado de perigo da pessoa lesada.
Um exemplo típico ocorre quando uma pessoa, desesperada para custear uma cirurgia urgente de um familiar, aceita vender um bem valioso por um preço muito inferior ao de mercado. Se comprovado que o comprador tinha ciência da situação e se beneficiou dela, o negócio poderá ser anulado com base no estado de perigo.
A jurisprudência reconhece que, embora o negócio tenha sido formalmente voluntário, a vontade estava viciada por uma necessidade extrema, que torna o consentimento inválido do ponto de vista jurídico e ético.
Assim como nos demais defeitos da vontade, o estado de perigo viola o princípio da boa-fé objetiva, pois revela um desequilíbrio injustificável na relação contratual, em que uma das partes age em flagrante vantagem diante da vulnerabilidade da outra.
Lesão
A lesão é um defeito do negócio jurídico que ocorre quando uma das partes se aproveita da inexperiência, da necessidade urgente ou da fragilidade da outra parte para obter uma vantagem patrimonial exagerada e desproporcional. Trata-se de uma situação de desequilíbrio contratual visível, que compromete a justiça da relação jurídica.
O artigo 157 do Código Civil dispõe:
“Ocorre lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.”
A lesão se distingue do estado de perigo porque não exige risco iminente à vida ou à integridade física. A situação de desvantagem decorre da exploração da posição de vulnerabilidade econômica, social ou intelectual da parte prejudicada, mesmo que o negócio não tenha sido celebrado sob urgência extrema.
Para o reconhecimento da lesão, é necessário:
Que a parte tenha agido movida por necessidade premente ou inexperiência;
Que a contraprestação seja manifestamente desproporcional;
Que haja um nexo entre a condição de vulnerabilidade e o proveito obtido pela outra parte.
Um exemplo prático seria um contrato em que uma pessoa idosa e sem experiência financeira vende um bem de alto valor por um preço irrisório, confiando na palavra de um comprador que se apresenta como amigo ou conselheiro. Mesmo sem coação ou dolo direto, a vulnerabilidade do alienante é explorada de forma injusta, autorizando a anulação ou revisão do negócio.
O parágrafo 2º do art. 157 permite que a outra parte ofereça complementação da prestação, a fim de evitar a resolução do contrato, promovendo uma solução de equilíbrio em respeito à função social do negócio jurídico.
A lesão, assim como os demais defeitos da vontade, viola diretamente o princípio da boa-fé objetiva, uma vez que a confiança legítima e a equidade entre as partes são rompidas. Ao permitir a correção judicial desses desequilíbrios, o Código Civil assegura a integridade ética das relações privadas e evita que a liberdade contratual se transforme em instrumento de abuso ou opressão econômica.
Fraude contra Credores
A fraude contra credores é um defeito do negócio jurídico que, embora não comprometa diretamente a vontade do devedor, viola a boa-fé nas relações patrimoniais, ao permitir que este pratique atos que prejudiquem a satisfação de obrigações legítimas. Essa figura está disciplinada nos artigos 158 a 165 do Código Civil e caracteriza-se quando o devedor, de forma intencional, diminui ou compromete seu patrimônio com o objetivo de frustrar o recebimento de seus credores.
O artigo 158 estabelece que:
“Os negócios de transmissão gratuita de bens, ou remissão de dívida, quando o devedor já estiver insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, podem ser anulados pelos credores como fraudulentos.”
A fraude contra credores pode ocorrer por meio de:
Doações patrimoniais a familiares ou terceiros de confiança;
Venda simulada ou subfaturada de bens;
Transferência de ativos a pessoas interpostas;
Remissão de dívidas sem justa causa.
Para que seja configurada, é necessário que o negócio tenha sido realizado com intenção de fraudar (elemento subjetivo), e que haja prejuízo efetivo ou potencial aos credores (elemento objetivo). Não se exige, contudo, a comprovação de má-fé por parte do terceiro que recebeu o bem, salvo em certos casos, como nos negócios onerosos.
Quando o adquirente age de má-fé, ciente da intenção fraudulenta do devedor, o negócio poderá ser anulado por meio da chamada ação pauliana, prevista no artigo 161 do Código Civil. Essa ação tem como finalidade tornar o negócio ineficaz em relação ao credor lesado, restaurando a possibilidade de satisfação da dívida.
Exemplo clássico é o devedor que, ao perceber a iminência de uma execução judicial, transfere sua única propriedade a um parente por valor simbólico ou sem registro formal, com o intuito de se declarar insolvente e escapar da penhora.
A fraude contra credores também representa uma afronta direta à função social do patrimônio e à boa-fé nas relações econômicas, pois transforma o direito à autonomia patrimonial em instrumento de má-fé. Por isso, sua repressão é necessária para a proteção da coletividade de credores e a preservação do equilíbrio nas relações jurídicas.
Consequências Jurídicas dos Defeitos
O reconhecimento de qualquer dos defeitos do negócio jurídico — erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores — acarreta, como regra geral, a anulabilidade do ato jurídico, nos termos do artigo 171, inciso II, do Código Civil. Isso significa que o negócio continua a produzir efeitos jurídicos até que seja anulado por decisão judicial — diferentemente da nulidade, que opera de pleno direito e pode ser declarada de ofício.
A parte prejudicada, ao identificar que sua vontade foi viciada, poderá ajuizar ação anulatória com o objetivo de desconstituir o negócio. Essa ação tem como efeito principal retornar as partes ao estado anterior ao contrato (efeito ex tunc), restaurando a situação patrimonial como se o negócio jamais tivesse existido. Quando a restituição integral não for possível, aplica-se o princípio da compensação por perdas e danos.
Além disso, a parte responsável pela prática dolosa, pela ameaça ou pela exploração indevida da situação da outra parte poderá ser condenada à indenização por danos materiais e morais, sobretudo nos casos de dolo, coação ou fraude contra credores.
A jurisprudência reconhece, inclusive, que a responsabilidade civil pode coexistir com a anulação do negócio, funcionando como forma de reparação complementar.
O Código Civil estabelece ainda prazos específicos para que a parte lesada exerça o direito de pleitear a anulação, conforme o artigo 178:
Quatro anos contados:
Do término da coação;
Da data em que o erro ou o dolo for descoberto;
Da conclusão do negócio em caso de estado de perigo ou lesão;
Da celebração do negócio fraudulento, em caso de fraude contra credores.
Importante destacar que, uma vez decorrido o prazo decadencial, a parte perde o direito de anular o negócio, mesmo que reste comprovado o vício. Trata-se de uma limitação legal imposta pela segurança jurídica e pela estabilidade das relações negociais.
Por fim, o reconhecimento judicial dos defeitos reforça a centralidade dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Ao proteger a parte vulnerável e punir a conduta abusiva, o Direito Civil promove a justiça contratual e impede que a liberdade de contratar se transforme em instrumento de opressão, desigualdade ou fraude.
Reflexões sobre a Boa-fé e os Vícios da Vontade
A análise dos defeitos do negócio jurídico revela que não basta considerar a formalidade ou a literalidade dos contratos para aferir sua validade. É essencial observar o contexto em que a vontade foi formada e as condutas das partes ao longo da negociação, pois é nesse plano que a boa-fé objetiva desempenha seu papel mais decisivo.
Como princípio normativo de aplicação obrigatória, a boa-fé objetiva impõe padrões éticos de comportamento que limitam o exercício dos direitos subjetivos.
Ela exige que as partes atuem com transparência, lealdade, respeito mútuo e cooperação recíproca. Dessa forma, a boa-fé funciona como filtro de validade e de interpretação dos negócios jurídicos, especialmente nos casos em que a vontade foi viciada por erro, dolo, coação ou outra forma de desequilíbrio contratual.
Nos vícios da vontade, a boa-fé se manifesta como critério para reconhecer a quebra de confiança legítima, essencial para qualquer relação jurídica duradoura e equilibrada.
Quando uma parte age em desacordo com esse padrão — por exemplo, ocultando informação essencial, pressionando emocionalmente a outra, explorando sua ignorância ou fragilidade — há, além do vício formal, uma violação do dever de conduta honesta e previsível.
A jurisprudência tem reforçado essa função corretiva e integradora da boa-fé. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em diversos precedentes, reconhece que o descumprimento dos deveres anexos à boa-fé objetiva pode justificar:
A anulação do negócio jurídico;
A indenização por danos materiais e morais;
A resolução contratual com base em abuso de direito;
A modulação das cláusulas contratuais para restabelecer o equilíbrio.
O uso da boa-fé como instrumento de controle de abusos negociais revela uma importante inflexão no Direito Civil contemporâneo, que se afasta do formalismo contratual puro para adotar uma visão mais humanizada, funcional e equilibrada das relações privadas. Trata-se de uma verdadeira evolução da autonomia da vontade para uma autonomia com responsabilidade social e ética.
Assim, ao refletirmos sobre os vícios da vontade, devemos compreendê-los não apenas como falhas técnicas no processo contratual, mas como quebras do pacto de confiança que deve existir entre as partes. A boa-fé, nesse cenário, deixa de ser mera cláusula geral para se tornar a espinha dorsal da integridade contratual.
Conclusão
A compreensão dos defeitos do negócio jurídico é fundamental para garantir a segurança jurídica e a justiça nas relações privadas. Institutos como erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores evidenciam que, mesmo diante de manifestações formais de vontade, o conteúdo ético e circunstancial do contrato deve ser analisado com rigor.
Esses vícios não apenas comprometem a validade do negócio jurídico, como também revelam abusos de poder, desigualdades informacionais e desequilíbrios estruturais que, se não controlados, fragilizam a função social do contrato e rompem com os ideais de confiança e estabilidade que o Direito busca proteger.
Nesse cenário, a boa-fé objetiva emerge como o principal parâmetro de aferição e correção. Mais do que exigir comportamento honesto, ela impõe condutas proativas de lealdade e cooperação, funcionando como critério interpretativo e limitador da autonomia privada.
Sua aplicação tem sido reconhecida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência como instrumento essencial de controle dos vícios da vontade.
Portanto, o estudo e a identificação dos defeitos do negócio jurídico devem ser pautados não apenas pela técnica legal, mas também por um olhar sensível à realidade das partes, às suas vulnerabilidades, e ao compromisso ético que deve nortear toda relação contratual.
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