O que você verá neste post
Introdução
Você sabia que uma simples fatia de pão pode representar um risco real à saúde de milhares de brasileiros? Para quem convive com doença celíaca, esse risco vai muito além do glúten.
Trata-se de uma luta diária pela sobrevivência, pela saúde e, acima de tudo, por direitos. Mais do que uma questão alimentar, a doença celíaca revela desafios profundos no campo da cidadania, da equidade e das políticas públicas.
Este artigo tem como objetivo lançar luz sobre os direitos das pessoas com doença celíaca, os desafios enfrentados no diagnóstico e no tratamento, e o papel da sociedade civil na luta por políticas públicas mais inclusivas e equitativas.
Assim, em vez de focar apenas na legislação já consolidada, como a rotulagem de alimentos, vamos avançar no debate sobre cidadania alimentar e equidade em saúde.
O Que é a Doença Celíaca: Entendendo Além do Glúten
A doença celíaca é uma condição autoimune causada pela ingestão de glúten, uma proteína presente no trigo, na cevada, no centeio, no malte e, em alguns casos, na aveia.
Ao contrário do que muitas pessoas pensam, não se trata de uma intolerância alimentar passageira nem de uma moda nutricional. É uma enfermidade crônica, que pode comprometer seriamente tanto a saúde intestinal quanto a saúde sistêmica do paciente.
No Brasil, estima-se que 1 a cada 100 pessoas seja celíaca, mas a grande maioria sequer sabe disso. O diagnóstico é complexo e os sintomas podem ser facilmente confundidos com outras condições, como:
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Síndrome do intestino irritável.
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Anemia persistente.
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Distúrbios dermatológicos.
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Problemas neurológicos.
A falta de informações entre profissionais de saúde, associada à ausência de políticas públicas específicas e ao estigma social, agrava a situação de quem convive com essa doença.
🧪 Quando o diagnóstico demora demais: os impactos invisíveis da doença celíaca
Para quem vive com doença celíaca, um dos maiores obstáculos está no início da jornada: conseguir o diagnóstico correto. Isso porque a condição não segue um “manual padrão” — os sintomas variam bastante de pessoa para pessoa.
Enquanto alguns apresentam sinais gastrointestinais clássicos, como dores abdominais e diarreia, outros podem sofrer com fadiga crônica, irritabilidade, problemas de pele ou até quadros neurológicos.
Essa variedade dificulta a identificação precoce e faz com que muitos pacientes sejam tratados de forma inadequada por anos.
Segundo a FENACELBRA, o tempo médio de diagnóstico pode ultrapassar 10 anos no Brasil. É uma década marcada por sofrimento, tentativas frustradas de tratamento e, muitas vezes, solidão.
A realidade se agrava no sistema público de saúde: exames como sorologia específica e biópsia intestinal nem sempre estão disponíveis com agilidade, e a escassez de especialistas contribui para o atraso. Sem diagnóstico, não há laudo médico, e sem laudo, os direitos do paciente celíaco continuam fora do papel.
💸 Comer sem glúten custa caro — e exclui quem mais precisa
O diagnóstico, embora libertador no sentido de oferecer uma resposta, traz consigo um novo desafio: o custo da dieta sem glúten.
Manter essa dieta não é uma escolha — é o único tratamento possível. Entretanto, os alimentos destinados ao público celíaco podem custar até cinco vezes mais do que os equivalentes com glúten.
Os motivos são diversos:
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Produção em menor escala.
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Processos rigorosos para evitar contaminação cruzada.
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Matéria-prima mais cara.
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Alta carga tributária sobre produtos especiais.
Quando a alimentação segura se torna um luxo, o risco é evidente: sem acesso, muitos desenvolvem complicações graves, como:
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Desnutrição.
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Osteoporose.
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Infertilidade.
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Déficits neurológicos.
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Câncer intestinal.
No Brasil, não há nenhuma política pública nacional que subsidie ou auxilie a compra de alimentos sem glúten. Isso escancara uma profunda desigualdade alimentar e uma violação direta ao direito constitucional à saúde e à dignidade.
Doença celíaca e o direito à equidade
Apesar dos impactos severos na saúde e na vida social, a doença celíaca não é reconhecida oficialmente como uma condição que exige proteção social específica.
Na prática, isso significa que:
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Pessoas com doença celíaca não têm acesso a benefícios sociais.
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Não há subsídios para sua alimentação especial.
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O custo do tratamento recai integralmente sobre o paciente e sua família.
Essa realidade afronta princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988, como:
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O direito à saúde.
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A igualdade material (ou seja, tratar desigualmente os desiguais na medida da sua desigualdade).
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A redução das desigualdades sociais.
O conceito de cidadania alimentar deve ser incorporado às políticas públicas, pois não se trata apenas de ter acesso à comida, mas de ter acesso a uma alimentação que não adoeça, que seja segura e adequada às necessidades de saúde de cada pessoa.
🗣️ A força da sociedade civil: quando a luta vem de quem vive a realidade
Diante da ausência de políticas públicas adequadas, a luta pelos direitos dos celíacos tem sido protagonizada pela sociedade civil, em especial por duas instituições de referência:
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ACELBRA (Associação dos Celíacos do Brasil).
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FENACELBRA (Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil).
Essas organizações atuam em diversas frentes:
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Campanhas de conscientização nacional.
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Treinamentos para profissionais de saúde e educação.
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Produção de materiais educativos e guias de alimentação segura.
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Suporte jurídico, psicológico e social para os pacientes e suas famílias.
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Atuação política para conquista de direitos e elaboração de leis.
Graças à atuação dessas entidades, foi aprovada a Lei nº 10.674/2003, que obriga todos os alimentos industrializados a informar claramente a presença de glúten nos rótulos.
Ainda assim, a luta está longe de terminar. É necessário avançar para garantir não apenas a informação, mas também o acesso real à alimentação segura como parte do direito à saúde e à cidadania.
Conclusão
Ninguém deve ser excluído por aquilo que precisa comer! A doença celíaca ainda é tratada como invisível — tanto pelo sistema de saúde quanto pelas políticas públicas. Mas invisível não significa inofensiva.
Quando o Estado falha em garantir acesso à alimentação segura, está, na prática, violando o direito à saúde e à dignidade.
Mais do que informar, este artigo é um convite à ação:
📢 Falar sobre doença celíaca é defender um país mais justo.
📢 É reconhecer que o alimento pode ser remédio — mas também exclusão.
Cabe a todos — sociedade, instituições e governo — transformar conhecimento em políticas, escuta em compromisso, e diagnóstico em cidadania.
Referências Bibliográficas:
- Associação dos Celíacos do Brasil (ACELBRA): https://www.acelbra.org.br/2004/
- Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil (FENACELBRA): https://www.fenacelbra.com.br/
- Constituição Federal de 1988: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
- Lei nº 10.674/2003 – Rotulagem obrigatória de alimentos com glúten
- ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária