O que você verá neste post
Introdução
A Individualização da Pena e a Importância da Dosimetria constituem princípios fundamentais do Direito Penal brasileiro, diretamente vinculados à dignidade da pessoa humana e à ideia de justiça proporcional.
Prevista no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal de 1988, a individualização da pena exige que o julgador avalie cada caso concreto com base em critérios objetivos e subjetivos, garantindo que a resposta penal seja adequada à conduta praticada, à culpabilidade do agente e às circunstâncias que envolveram o crime.
Nesse contexto, a dosimetria da pena surge como um instrumento técnico essencial que viabiliza a aplicação desse princípio. Trata-se de um procedimento estruturado em três fases, regulado principalmente pelo Código Penal, por meio do qual o juiz define, ajusta e consolida a pena a ser imposta, levando em consideração fatores legais e jurisprudenciais.
A correta aplicação da dosimetria é indispensável não apenas para assegurar a legalidade da sanção, mas também para evitar arbitrariedades e para manter a coerência do sistema de justiça criminal.
Este artigo tem como objetivo explicar, de forma clara e fundamentada, como se dá a individualização da pena por meio da dosimetria, quais são suas etapas, sua relevância na garantia dos direitos fundamentais e os desafios enfrentados pelos operadores do Direito na sua aplicação prática.
Conceito de Individualização da Pena
A individualização da pena é um dos princípios estruturantes do Direito Penal contemporâneo e está expressamente prevista no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal de 1988.
Ao dispor que “a lei regulará a individualização da pena”, o texto constitucional determina que a aplicação da sanção penal deve respeitar as peculiaridades do caso concreto, a personalidade do réu, a gravidade do fato e demais circunstâncias relevantes para que o Estado atue com justiça e proporcionalidade.
Na doutrina, esse princípio é compreendido como uma garantia fundamental do acusado, que veda a aplicação de penas automáticas ou padronizadas e exige que o juiz avalie criteriosamente cada aspecto da infração penal e do agente, promovendo uma pena que atenda às finalidades preventivas e retributivas da sanção.
A individualização da pena pode ser analisada sob três dimensões complementares:
Individualização legislativa: realizada pelo legislador ao prever, na norma penal, os tipos penais e as penas cominadas (mínima e máxima) para cada conduta típica. É a fase abstrata, que delimita a moldura legal da punição.
Individualização judicial: é a mais conhecida e estudada. Cabe ao juiz, dentro dos limites legais, fixar a pena conforme as peculiaridades do caso concreto, utilizando-se do procedimento técnico da dosimetria. Essa fase representa a aplicação efetiva da justiça penal.
Individualização administrativa (ou executória): ocorre no âmbito da execução penal, cabendo ao juiz da execução aplicar medidas como progressão de regime, concessão de benefícios e fiscalização do cumprimento da pena. Essa etapa assegura que a sanção, ao longo do tempo, continue observando a dignidade do apenado e a proporcionalidade da punição.
Portanto, a individualização da pena não se limita à sentença penal condenatória, mas se projeta desde a previsão legislativa até o fim da execução. Seu objetivo é garantir que a pena cumpra sua função social de maneira justa, proporcional, eficiente e humana, preservando os direitos fundamentais mesmo após a condenação.
A Importância da Dosimetria na Fixação da Pena
A dosimetria é o instrumento técnico por excelência que permite ao juiz concretizar o princípio da individualização da pena no momento da sentença.
Trata-se de um procedimento metódico e tripartido, previsto principalmente no art. 68 do Código Penal, cujo objetivo é fixar, com critérios racionais e proporcionais, a pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou de multa, observando os parâmetros definidos legalmente.
Sua importância reside no fato de que, sem um critério objetivo para a aplicação da pena, o julgador correria o risco de agir com arbitrariedade ou parcialidade, ferindo não apenas a isonomia, mas também a legalidade e o devido processo legal.
A dosimetria, portanto, confere transparência, previsibilidade e controle à decisão judicial, permitindo que se compreenda como e por que determinada pena foi aplicada, dentro dos limites estabelecidos pelo legislador.
Além disso, a dosimetria funciona como filtro de garantias, pois impõe ao magistrado a obrigação de fundamentar cada etapa da pena aplicada, o que é exigido tanto pelo art. 93, IX, da Constituição Federal, quanto por reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
Na prática, a correta aplicação da dosimetria beneficia tanto o réu quanto a sociedade: ao réu, porque assegura que a pena não será superior ao necessário para a reprovação e prevenção do crime; à sociedade, porque garante que a resposta penal seja proporcional, eficaz e legitimada juridicamente.
Por essas razões, a dosimetria da pena não é mera formalidade técnica, mas um dos principais mecanismos de equilíbrio no processo penal, essencial para a justiça penal e para a credibilidade do sistema de persecução penal como um todo.
Etapas da Dosimetria da Pena
Primeira Fase: Fixação da Pena-Base
A primeira etapa da dosimetria da pena consiste na fixação da pena-base, momento em que o juiz analisa as chamadas circunstâncias judiciais, previstas no artigo 59 do Código Penal. Essa é a fase em que a pena começa a ser construída, com base nos elementos que caracterizam o fato e o autor do crime.
As circunstâncias judiciais são oito:
Culpabilidade – grau de reprovabilidade da conduta do agente;
Antecedentes – histórico criminal do réu, excluindo-se processos em andamento ou condenações sem trânsito em julgado;
Conduta social – comportamento do réu no ambiente familiar, profissional e comunitário;
Personalidade do agente – traços psíquicos e morais revelados pela prática criminosa;
Motivos do crime – razões que impulsionaram a conduta delituosa;
Circunstâncias do crime – modo de execução, tempo, lugar, meios utilizados;
Consequências do crime – efeitos concretos causados à vítima ou à sociedade;
Comportamento da vítima – eventual contribuição da vítima para o resultado delituoso.
O juiz deve analisar esses fatores individualmente e com fundamentação adequada, podendo aumentar ou diminuir a pena dentro do intervalo mínimo e máximo previsto na lei penal para o tipo penal em questão. A jurisprudência tem reafirmado que não é permitido um juízo genérico ou padronizado: cada circunstância deve ser concretamente justificada com base nos autos.
Além disso, o princípio da motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF/88) impõe que o magistrado explique por que considerou determinada circunstância como desfavorável, sob pena de nulidade ou reforma da sentença.
A pena-base, portanto, é o ponto de partida da resposta penal, e seu valor deve refletir fielmente as peculiaridades do caso concreto, sendo vedada qualquer forma de automatismo ou generalização. É justamente essa análise individualizada que confere legitimidade ao processo de punição no Estado de Direito.
Segunda Fase: Circunstâncias Agravantes e Atenuantes
Após fixar a pena-base na primeira fase, o juiz passa à segunda etapa da dosimetria, que consiste na análise das circunstâncias legais agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65 do Código Penal.
Essas circunstâncias influenciam o valor da pena intermediária, aumentando ou diminuindo seu montante dentro dos limites estabelecidos na primeira fase, sem, contudo, ultrapassar o máximo legal previsto para o tipo penal.
Circunstâncias Agravantes (art. 61, CP)
As agravantes são fatores que aumentam a reprovabilidade da conduta do agente, tais como:
Reincidência;
Motivo torpe ou fútil;
Meios cruéis, insidiosos ou que dificultem a defesa da vítima;
Abuso de autoridade ou violação de deveres funcionais;
Crimes praticados contra idosos, crianças, ascendentes ou descendentes;
Aproveitamento de calamidade pública ou facilitação por ocasião de incêndio, naufrágio, etc.
Circunstâncias Atenuantes (art. 65, CP)
As atenuantes, por sua vez, diminuem a gravidade da conduta, demonstrando aspectos que, embora não excluam o crime, devem ser considerados na aplicação da pena. Entre as principais:
Ser o agente menor de 21 anos à data do fato ou maior de 70 anos na sentença.
Ter o réu confessado espontaneamente.
Ter agido sob coação ou influência de multidão em tumulto, fora das hipóteses de exclusão da ilicitude.
Ter reparado espontaneamente o dano causado.
Ter praticado o crime sob forte provocação da vítima.
Natureza Jurídica e Limitações
Diferentemente da primeira fase, que admite variação livre dentro do intervalo penal previsto, as agravantes e atenuantes não podem, por si sós, extrapolar os limites da pena mínima e máxima cominadas ao tipo penal.
Assim, se a pena já estiver no patamar mínimo legal, a aplicação de atenuantes não pode reduzi-la abaixo desse piso. Da mesma forma, se a pena já atingir o máximo legal, a aplicação de agravantes não pode ultrapassá-lo.
A segunda fase da dosimetria exige também fundamentação individualizada, com base em elementos concretos dos autos. A jurisprudência dos tribunais superiores é pacífica ao afirmar que não se admite aplicação automática de agravantes ou atenuantes com base apenas em suposições genéricas.
Portanto, essa etapa tem o papel de refinar a pena intermediária, considerando fatores legais que representam aspectos objetivos e subjetivos adicionais à análise feita na primeira fase, reafirmando a exigência de que a pena seja justa, proporcional e motivada.
Terceira Fase: Causas de Aumento e de Diminuição da Pena
Na terceira fase da dosimetria, o juiz aplica as chamadas causas de aumento e de diminuição da pena, também conhecidas como majorantes e minorantes, previstas na parte especial do Código Penal ou em legislações penais específicas.
Elas incidem sobre a pena intermediária (fixada após as duas fases anteriores), ajustando-a dentro dos limites legais e com base em critérios objetivos.
Ao contrário das circunstâncias judiciais e das agravantes/atenuantes, que dependem de maior subjetividade na análise, as causas de aumento e diminuição possuem previsão legal expressa e parâmetros definidos de aplicação, como frações mínimas e máximas.
Exemplo de Causa de Aumento:
Crime de roubo com uso de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, CP): a pena é aumentada de 2/3.
Crime cometido por mais de uma pessoa (concurso de agentes) – pode justificar majoração conforme previsto na parte especial.
Exemplo de Causa de Diminuição:
Tentar cometer um crime, mas não consumá-lo – aplica-se a diminuição prevista no art. 14, II, parágrafo único, que autoriza o juiz a reduzir a pena de 1/3 a 2/3.
Tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006) – autoriza a redução de pena entre 1/6 a 2/3, desde que o réu seja primário, de bons antecedentes, e não se dedique a atividades criminosas.
Fixação da Pena Definitiva
Após aplicar as majorantes ou minorantes, o juiz chega à pena definitiva, que será a sanção penal imposta ao réu na sentença condenatória. Nessa fase, também é decidido:
O regime inicial de cumprimento da pena (fechado, semiaberto ou aberto).
A eventual substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, se presentes os requisitos legais.
A possibilidade de suspensão condicional da pena (sursis).
Essa etapa é essencial para assegurar que o quantum da pena seja ajustado às especificidades do crime e do agente, respeitando tanto os limites legais quanto os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Importância do Controle Jurisdicional
A dosimetria, sobretudo nesta fase final, está sujeita a controle recursal. Cabe ao tribunal rever eventuais abusos, erros de cálculo ou ausência de fundamentação, garantindo que a pena seja não só tecnicamente correta, mas também legítima à luz dos princípios constitucionais.
Assim, a terceira fase da dosimetria fecha o ciclo de individualização judicial da pena, traduzindo o compromisso do Direito Penal com a justiça sob medida, dentro dos limites da legalidade e com respeito ao devido processo.
Jurisprudência sobre Dosimetria: Fundamentação e Controle
A aplicação da dosimetria da pena, embora seja uma atividade discricionária do juiz, não é arbitrária. A Constituição Federal, no art. 93, IX, exige que todas as decisões judiciais sejam devidamente fundamentadas, sob pena de nulidade.
Esse dever de motivação é particularmente rigoroso no campo penal, onde está em jogo a liberdade do cidadão.
O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já pacificaram diversos entendimentos acerca da necessidade de fundamentação concreta em cada fase da dosimetria. Algumas diretrizes jurisprudenciais importantes incluem:
1. Fundamentação individualizada na primeira fase
A pena-base só pode ser fixada acima do mínimo legal se houver fundamentação expressa e concreta sobre as circunstâncias judiciais desfavoráveis. A mera menção genérica a “maior gravidade do crime” ou a expressões padronizadas não é suficiente.
📌 “É nula a sentença que fixa a pena-base acima do mínimo legal com base em fundamentos genéricos, sem concretude dos elementos do art. 59 do Código Penal.”
— STJ, HC 273.793/SP
2. Proibição de bis in idem
Os tribunais superiores também vedam o bis in idem, isto é, a utilização da mesma circunstância para agravar a pena em mais de uma fase da dosimetria.
📌 “A utilização de elementos já considerados na primeira fase para aplicar agravante ou majorante configura bis in idem e viola o princípio da individualização da pena.”
— STF, HC 127.759/SP
3. Agravantes e atenuantes não podem ultrapassar os limites da pena cominada
É firme a jurisprudência de que circunstâncias agravantes e atenuantes não podem levar a pena além do limite legal previsto para o tipo penal, reforçando o papel limitador da legalidade.
📌 “As agravantes legais não autorizam a fixação da pena acima do máximo legal cominado ao crime.”
— STJ, AgRg no REsp 1.158.510/RS
4. Causas de aumento e diminuição devem respeitar frações proporcionais
Na terceira fase, a aplicação das causas de aumento ou diminuição deve observar a fração prevista em lei e ser fundamentada de acordo com os elementos do caso concreto.
📌 “A fração de redução prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06 deve ser fixada conforme o grau de participação do agente, seus antecedentes e conduta social.”
— STJ, HC 312.763/RS
5. Reexame da dosimetria em sede de recurso
Tanto o STF quanto o STJ têm admitido revisão da dosimetria da pena em sede de habeas corpus ou recurso especial, quando houver flagrante ilegalidade, erro material ou ausência de fundamentação.
Essa jurisprudência reforça que a dosimetria não é uma mera faculdade judicial, mas uma obrigação técnica condicionada por princípios constitucionais, como a legalidade, a motivação e a individualização da pena. Seu descumprimento pode acarretar anulação da sentença ou redução da pena pelo tribunal.
Críticas e Desafios na Aplicação da Dosimetria da Pena
Apesar de sua importância teórica e de sua previsão legal rigorosa, a dosimetria da pena enfrenta uma série de desafios práticos e críticas doutrinárias quanto à sua aplicação pelos tribunais brasileiros.
A centralidade do juiz na fixação da pena, aliada à relativa liberdade de interpretação das circunstâncias judiciais, pode comprometer a uniformidade e previsibilidade das decisões penais.
1. Subjetivismo na Análise das Circunstâncias Judiciais
A primeira fase da dosimetria, em especial, é frequentemente criticada por abrir excesso de margem interpretativa ao julgador. Conceitos como “personalidade”, “conduta social” ou “culpabilidade” são vagos e suscetíveis a juízos de valor subjetivos, muitas vezes dissociados de provas objetivas constantes nos autos.
Essa subjetividade pode resultar em decisões discrepantes para casos semelhantes, minando o princípio da isonomia e gerando insegurança jurídica.
2. Ausência de Critérios Objetivos e Uniformes
Outro problema recorrente é a falta de padronização na fixação das frações aplicadas nas causas de aumento e diminuição da pena. Muitas vezes, a escolha de 1/3, 1/2 ou 2/3 é feita sem qualquer fundamentação concreta, o que compromete a transparência da decisão e dificulta o controle recursal.
A ausência de guidelines claras ou modelos uniformes, como ocorre em alguns países com sistemas de “sentencing guidelines”, torna a aplicação da pena uma tarefa excessivamente casuística e pouco previsível.
3. Aplicação Inadequada das Atenuantes e Agravantes
Há decisões judiciais que aplicam agravantes ou atenuantes de forma automática ou genérica, contrariando a exigência constitucional de motivação. Além disso, é comum encontrar bis in idem, quando o mesmo fato é usado em mais de uma fase da dosimetria, especialmente na reincidência ou no uso de violência.
4. Disparidade Regional e Institucional
Estudos empíricos indicam variações significativas na aplicação das penas entre diferentes regiões e até entre varas da mesma comarca, evidenciando que a dosimetria ainda depende fortemente da cultura jurídica local e da formação individual dos magistrados.
5. Necessidade de Capacitação Técnica Contínua
A complexidade técnica do sistema de dosimetria exige constante capacitação de juízes, defensores, promotores e advogados, para que todos os atores do processo penal possam atuar com rigor, coerência e controle crítico sobre os parâmetros utilizados.
Diante desses desafios, a doutrina penal tem proposto:
A melhoria da fundamentação judicial, com uso de critérios objetivos e racionalmente justificáveis.
O desenvolvimento de protocolos ou enunciados vinculantes sobre frações de redução e aumento.
A adoção de jurisprudência uniforme e pedagógica pelos tribunais superiores.
O investimento em formação técnica continuada dos operadores do Direito Penal.
A superação dessas falhas é essencial para que a dosimetria cumpra sua função garantista e contribua para um sistema penal verdadeiramente justo, proporcional e constitucionalmente orientado.
A Individualização Administrativa da Pena: A Fase Executória
A individualização da pena não termina com a condenação. Após a sentença penal transitar em julgado, inicia-se a fase de execução da pena, momento em que se concretiza o cumprimento da sanção e se aplicam medidas de controle, progressão e reintegração social do apenado.
Essa fase representa a chamada individualização administrativa da pena, confiada ao juiz da execução penal, nos termos da Lei nº 7.210/1984 – Lei de Execução Penal (LEP).
Papel do Juiz da Execução
O juiz da execução tem função fundamental no sistema penal, pois deve acompanhar a execução da pena caso a caso, analisando continuamente:
Regime inicial de cumprimento da pena (fechado, semiaberto ou aberto).
Progressão de regime, conforme o comportamento do apenado e os prazos legais (arts. 112 e 33, §2º, CP).
Concessão de benefícios como livramento condicional, remição da pena pelo trabalho ou estudo, indulto, entre outros.
Transferências de estabelecimentos penais adequados às necessidades individuais.
Revogação ou substituição de penas restritivas de direitos, quando cabível.
Continuidade da Garantia Constitucional
A atuação do juiz da execução assegura que o tratamento penal seja adequado ao perfil do condenado, permitindo ajustes dinâmicos ao longo do tempo. Assim, preserva-se a dignidade da pessoa humana, mesmo durante a privação de liberdade, e se reforça o caráter ressocializador da pena.
O STF já reconheceu que a individualização deve ser observada em todas as etapas da sanção penal, incluindo a execução:
📌 “A individualização da pena é garantia que se projeta desde a escolha do tipo penal até sua efetiva execução, inclusive no tocante ao regime prisional e aos benefícios legais.”
— STF, HC 91.361/SP
Desafios na Prática
No entanto, o sistema carcerário brasileiro impõe grandes dificuldades à individualização na execução da pena, como:
Superlotação dos presídios.
Falta de estrutura para regime semiaberto e aberto.
Morosidade nas análises de benefícios.
Ausência de atendimento psicossocial e jurídico adequado aos apenados.
Mesmo com esses obstáculos, o papel do juiz da execução continua sendo essencial para garantir que a pena, ao ser cumprida, continue observando os critérios de proporcionalidade, adequação e humanidade.
Conclusão
A individualização da pena, prevista expressamente na Constituição Federal, é mais do que uma formalidade legal: trata-se de um pressuposto essencial de justiça penal.
Sua concretização se dá principalmente por meio da dosimetria, técnica que estrutura a atuação judicial em três fases — fixação da pena-base, análise de agravantes e atenuantes, e aplicação das causas de aumento e diminuição —, garantindo transparência, proporcionalidade e racionalidade na aplicação da sanção penal.
Como vimos, a dosimetria não é uma faculdade subjetiva do juiz, mas um procedimento vinculado a princípios constitucionais como legalidade, motivação, isonomia e dignidade da pessoa humana. Os tribunais superiores reforçam constantemente a necessidade de fundamentação concreta, vedação ao bis in idem e respeito aos limites legais.
No entanto, a prática revela desafios importantes, como a ausência de critérios uniformes, o subjetivismo judicial, a disparidade entre decisões semelhantes e as limitações estruturais na execução penal.
Ainda assim, o princípio da individualização se projeta além da sentença, alcançando a fase executória, onde o juiz da execução deve seguir avaliando, caso a caso, o cumprimento adequado da pena.
Portanto, reconhecer e aplicar corretamente a individualização da pena e a dosimetria é reafirmar o compromisso do Direito Penal com a justiça responsável, com o controle do poder punitivo do Estado e com a proteção dos direitos fundamentais, inclusive daqueles que, por força de condenação, estão sob a custódia do sistema de justiça criminal.
📚 Referências Bibliográficas
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 5º, inc. XLVI.
- BRASIL. Código Penal Brasileiro – Decreto-Lei nº 2.848/1940.
- PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 22. ed. São Paulo: RT, 2022.
- BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2023.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024.
- Jurisprudência do STF e STJ sobre dosimetria da pena e princípios constitucionais penais.