O que você verá neste post
Introdução
Você sabia que agir com lealdade, respeito e honestidade no processo judicial é uma exigência legal e não apenas um ideal ético? O Princípio da Boa-Fé Processual garante que todas as partes envolvidas em uma ação judicial se comportem de forma íntegra, respeitando as regras, os adversários e o próprio Judiciário.
Mais do que uma formalidade, esse princípio orienta a conduta de advogados, juízes, partes e demais sujeitos do processo, sendo um dos pilares do modelo cooperativo adotado pelo Código de Processo Civil de 2015.
Neste artigo, vamos entender o que é a boa-fé processual, sua origem, sua função no processo civil e por que ela é essencial para uma Justiça mais ética e eficaz.
O que é o Princípio da Boa-Fé Processual?
O Princípio da Boa-Fé Processual exige que todos os envolvidos em um processo judicial ajam com honestidade, lealdade, respeito mútuo e cooperação.
Esse dever não se limita à intenção subjetiva (boa-fé interna), mas também impõe um padrão objetivo de conduta, ou seja, aquilo que se espera de qualquer participante do processo, independentemente de sua intenção pessoal.
Previsto no artigo 5º do Código de Processo Civil, o princípio estabelece que “aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.” Isso vale para as partes, advogados, magistrados, membros do Ministério Público e auxiliares da Justiça.
A boa-fé processual atua como um limite ao exercício dos direitos no processo. Ela impede que recursos sejam usados com finalidade protelatória, que provas sejam manipuladas ou que se tente induzir o juiz ao erro.
É, portanto, um instrumento de moralização do processo e de proteção à parte adversa, garantindo uma atuação baseada na confiança recíproca e na integridade.
Evolução Histórica e Marco no CPC/2015
Embora o Princípio da Boa-Fé Processual já fosse reconhecido na doutrina antes do novo Código, foi com o CPC de 2015 que ele ganhou status explícito e central no ordenamento jurídico processual brasileiro.
A mudança representa uma clara opção legislativa por um modelo cooperativo de processo, que exige das partes não apenas respeito à legalidade, mas também comportamento ético e colaborativo.
No CPC de 1973, a boa-fé era tratada de forma indireta, especialmente por meio da repressão à litigância de má-fé. Já o novo Código, desde seu artigo 5º, positiva a boa-fé como princípio geral aplicável a todos os sujeitos processuais. A influência do direito alemão e da teoria da boa-fé objetiva foi determinante para essa ampliação.
Esse avanço reflete uma evolução no modo de encarar o processo: não mais como um simples embate adversarial, mas como uma relação jurídica marcada pela confiança legítima, dever de lealdade e conduta responsável.
A boa-fé deixa de ser apenas uma expectativa e se transforma em um verdadeiro dever jurídico processual.
Quem Está Obrigado à Boa-Fé no Processo?
O Princípio da Boa-Fé Processual tem aplicação universal dentro do processo judicial. Todos os sujeitos que participam do processo — sejam partes, advogados, magistrados, membros do Ministério Público, serventuários da Justiça ou peritos — devem respeitar esse princípio em todas as suas manifestações processuais.
Para as partes e seus advogados, a boa-fé se expressa por meio da lealdade ao narrar os fatos, do uso honesto dos meios de prova e defesa, e da cooperação com o andamento processual.
Para o juiz, a boa-fé está relacionada à imparcialidade, transparência e respeito ao contraditório. Já os auxiliares do juízo e o MP devem manter condutas compatíveis com a função pública e o interesse coletivo.
Essa obrigação ampla mostra que a boa-fé processual é mais do que um princípio das partes litigantes — ela é um compromisso coletivo com a ética, a efetividade e a dignidade do processo.
Exemplos de Violações à Boa-Fé Processual
A violação ao Princípio da Boa-Fé Processual ocorre quando uma das partes ou qualquer outro sujeito do processo adota condutas desleais, abusivas ou maliciosas com o objetivo de prejudicar a parte adversa ou manipular o andamento da ação.
Entre os exemplos mais comuns de violação, podemos destacar:
Alteração dolosa da verdade dos fatos: mentir intencionalmente nos autos, tentando induzir o juiz ao erro.
Propositura de ações temerárias ou infundadas apenas para desgastar a parte contrária.
Uso de recursos protelatórios sem fundamentos reais, com o objetivo de atrasar o desfecho do processo.
Omissão de informações relevantes que poderiam modificar o entendimento do juiz.
Fraude na produção de provas, como apresentação de documentos falsos.
Tais condutas ferem a integridade do processo e são combatidas pelo ordenamento jurídico brasileiro com medidas repressivas e sancionatórias, justamente para preservar o valor ético da jurisdição.
Consequências Jurídicas da Má-Fé
O descumprimento do Princípio da Boa-Fé Processual pode acarretar consequências sérias, especialmente para as partes e seus procuradores. A legislação prevê uma série de sanções específicas para coibir condutas maliciosas ou abusivas no processo.
O artigo 80 do CPC enumera as hipóteses de litigância de má-fé, como alterar a verdade dos fatos, usar o processo para fins ilegais ou interpor recursos com intuito manifestamente protelatório. Já o artigo 81 estabelece que o litigante de má-fé pode ser condenado ao pagamento de multa, honorários advocatícios e indenização por perdas e danos.
Além disso, o juiz pode aplicar outras medidas, como:
Indeferimento de provas requeridas com desvio de finalidade.
Preclusão de atos processuais praticados de má-fé.
Responsabilização disciplinar ou até criminal, nos casos mais graves, como falsidade documental.
Essas sanções têm caráter repressivo e pedagógico, buscando desestimular comportamentos desleais e garantir que o processo se mantenha como um instrumento legítimo de pacificação social.
Boa-Fé Processual e o Dever de Cooperação
O Princípio da Boa-Fé Processual está intimamente ligado ao dever de cooperação, outro pilar do modelo processual adotado pelo Código de Processo Civil de 2015. Ambos compõem o que a doutrina chama de “processo cooperativo”, no qual as partes, o juiz e os demais sujeitos devem agir de maneira colaborativa, visando à obtenção de um resultado justo e eficaz.
O artigo 6º do CPC é claro ao afirmar que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”
A boa-fé atua, aqui, como fundamento ético e normativo dessa cooperação, impedindo comportamentos oportunistas, contraditórios ou contraditórios com o desenvolvimento processual.
Essa visão se afasta do modelo meramente adversarial, que trata o processo como um campo de batalha entre partes. Em vez disso, a atuação judicial busca equilibrar a autonomia das partes com o compromisso conjunto de realizar a Justiça.
Portanto, agir com boa-fé é também promover a efetividade e a dignidade do processo civil brasileiro.
Jurisprudência Relevante e Doutrina
Os tribunais brasileiros, especialmente o Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm reconhecido de forma reiterada a importância do Princípio da Boa-Fé Processual como limite ao exercício dos direitos no processo e como ferramenta de preservação da moralidade processual.
Em decisões como o REsp 1.384.018/SP, o STJ reafirmou que a atuação processual deve estar pautada na lealdade e boa-fé, sendo legítima a aplicação de penalidades à parte que tenta manipular o processo em benefício próprio.
Outro exemplo emblemático é o REsp 1.846.136/MG, no qual a Corte entendeu que a prática de atos contraditórios pela parte configura violação à boa-fé objetiva, autorizando a imposição de multa e indenização.
Na doutrina, Fredie Didier Jr. afirma que “a boa-fé objetiva impõe uma conduta positiva de honestidade e lealdade, sendo vedada a atuação surpresa e contraditória no processo.”
Já Teresa Wambier destaca que o princípio funciona como instrumento de controle da conduta abusiva das partes e do próprio Estado-juiz, consolidando a ética como elemento central do processo.
Desafios e Perspectivas Futuras
Embora o Princípio da Boa-Fé Processual esteja solidamente fundamentado no CPC/2015, sua aplicação ainda enfrenta importantes desafios práticos e culturais. Um deles é a dificuldade em comprovar a má-fé subjetiva, especialmente quando as condutas processuais são disfarçadas sob a aparência de legalidade.
Além disso, há um uso cada vez mais banalizado do rótulo de “litigância de má-fé”, muitas vezes empregado de forma estratégica pelas partes como instrumento de pressão, o que enfraquece o real valor do princípio.
Também há resistência por parte de alguns operadores do direito em adotar uma postura cooperativa e ética como padrão de atuação, especialmente em disputas mais acirradas.
No cenário atual, cresce a necessidade de formação ética contínua dos profissionais do Direito e de um Judiciário mais ativo na repressão de práticas abusivas.
O futuro do processo civil passa pela consolidação de uma cultura de integridade, transparência e colaboração — valores centrais da boa-fé processual.
Conclusão
O Princípio da Boa-Fé Processual é muito mais do que uma formalidade prevista no Código de Processo Civil. Ele é um verdadeiro fundamento ético do processo moderno, exigindo que todos os sujeitos envolvidos ajam com lealdade, honestidade e respeito ao devido processo legal.
Ao longo deste artigo, vimos como a boa-fé está presente desde a petição inicial até a sentença final, sendo essencial para evitar abusos, garantir decisões justas e promover um ambiente de respeito dentro do processo judicial. Sua função não é apenas coibir fraudes, mas transformar o processo em um instrumento de pacificação social legítimo e digno.
Mais do que um princípio técnico, a boa-fé é a alma do processo justo. Gostou do conteúdo? Compartilhe com seus colegas e incentive o exercício ético da advocacia e da jurisdição!
Referências Bibliográficas
- Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
- Código de Processo Civil. Lei nº 13.105/2015.
- DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil – v.1. 27. ed. São Paulo: Juspodivm, 2025.
- DINAMARCO, Cândido Rangel; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2024.
- ALVIM, J. E. Carreira. Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Juspodivm, 2024.
- WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Curso Avançado de Processo Civil. São Paulo: RT, 2021.
- MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Teoria Geral do Processo. São Paulo: RT, 2019.
- CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.