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As Prerrogativas do Poder Público são instrumentos fundamentais que conferem à Administração Pública poderes especiais para garantir a proteção do interesse coletivo.
Esses poderes, que não são concedidos aos particulares, derivam diretamente da necessidade de assegurar a supremacia do interesse público sobre interesses privados, mantendo a ordem, o bem-estar social e a eficiência na gestão estatal.
No entanto, o exercício dessas prerrogativas não é absoluto. Ele deve ocorrer sempre dentro dos limites estabelecidos pela Constituição Federal, respeitando princípios como a legalidade, a razoabilidade, a proporcionalidade e a proteção dos direitos fundamentais.
Neste artigo, vamos analisar o conceito, os fundamentos, as aplicações práticas e as limitações das prerrogativas administrativas, baseados na legislação vigente e na doutrina contemporânea.
O que são as Prerrogativas do Poder Público?
As Prerrogativas do Poder Público podem ser definidas como vantagens jurídicas conferidas à Administração Pública em suas relações jurídicas, que a colocam em posição de superioridade frente aos administrados, exclusivamente para a satisfação do interesse público.
De acordo com Marçal Justen Filho (2025), as prerrogativas administrativas são justificadas pela necessidade de garantir a realização dos objetivos coletivos, ainda que, para tanto, o Estado exerça poderes que limitam ou restringem direitos individuais.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2024) acrescenta que essas prerrogativas não configuram privilégios pessoais dos agentes públicos, mas instrumentos funcionais para o atendimento de finalidades públicas.
É importante distinguir as prerrogativas do poder estatal geral dos poderes administrativos. Enquanto as prerrogativas são vantagens específicas, os poderes administrativos (poder de polícia, poder regulamentar, poder hierárquico e poder disciplinar) são funções ordinárias para o exercício da administração pública.
Assim, as prerrogativas são inerentes ao regime jurídico-administrativo e formam uma das bases que legitimam a atuação diferenciada do Estado em relação aos particulares, sempre em busca da preservação do interesse coletivo e da realização dos fins constitucionais.
Supremacia do Interesse Público como justificativa das prerrogativas
As Prerrogativas do Poder Público encontram sua principal justificação no princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o interesse privado, uma das bases estruturantes do Direito Administrativo brasileiro.
Esse princípio estabelece que, em situações de conflito, o interesse coletivo deve prevalecer, legitimando a concessão de poderes especiais à Administração para que ela possa agir de maneira eficiente e célere em prol do bem comum.
Dessa forma, conforme ensina Rafael Carvalho Rezende Oliveira (2025), as prerrogativas administrativas não visam beneficiar o Estado enquanto instituição, mas proteger a coletividade e assegurar a efetividade dos serviços públicos.
O reconhecimento da supremacia do interesse público autoriza, por exemplo, que a Administração imponha restrições à propriedade privada, que altere unilateralmente cláusulas contratuais para adequá-las ao interesse público superveniente ou que exerça o poder de polícia para disciplinar atividades privadas em prol da ordem social.
No entanto, como advertem Di Pietro (2024) e Marçal Justen Filho (2025), o exercício das prerrogativas exige respeito rigoroso aos direitos fundamentais, sob pena de abuso de poder, desvio de finalidade e responsabilização do Estado e de seus agentes.
Portanto, a Supremacia do Interesse Público é a fonte que legitima a existência das prerrogativas administrativas, mas também impõe ao Estado o dever de agir com proporcionalidade, legalidade e respeito às garantias constitucionais.
Principais Prerrogativas da Administração Pública
As Prerrogativas do Poder Público se materializam em diversos instrumentos e poderes que conferem vantagens específicas à Administração Pública no exercício de suas funções. Entre as principais, destacam-se:
1. Poder de Polícia
Consiste na faculdade da Administração Pública de limitar ou condicionar direitos e liberdades individuais em prol da segurança, ordem pública, saúde, meio ambiente e bem-estar coletivo. Exemplo disso são as fiscalizações sanitárias, urbanísticas e ambientais.
2. Autotutela Administrativa
A Administração tem o poder de revisar seus próprios atos, anulando-os quando ilegais ou revogando-os por razões de conveniência e oportunidade, independentemente de autorização judicial, conforme a súmula 473 do STF.
3. Privilégios Processuais
O Estado goza de vantagens em processos judiciais, como prazos diferenciados para manifestação e a necessidade de precatório para pagamento de dívidas, o que reflete a sua posição institucional diferenciada frente aos particulares.
4. Rescisão Unilateral e Alteração de Contratos Administrativos
Nos contratos administrativos, a Administração pode alterar unilateralmente cláusulas para adequá-las ao interesse público ou rescindir o contrato por razões de interesse público relevante, nos termos da Lei nº 14.133/2021.
5. Exigência de Licitação e Cláusulas Exorbitantes
A obrigatoriedade de licitação e a inserção de cláusulas exorbitantes nos contratos administrativos garantem a supremacia do interesse público sobre interesses privados e asseguram a transparência e a competitividade na gestão pública.
Cada uma dessas prerrogativas, no entanto, deve ser exercida com cautela e dentro dos limites constitucionais, sempre visando o interesse público primário e respeitando os direitos dos administrados.
Limites ao exercício das Prerrogativas
Embora as Prerrogativas do Poder Público sejam instrumentos legítimos para a realização do interesse coletivo, o seu exercício não é irrestrito. Existem limites claros impostos pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional, que garantem a proteção dos direitos individuais e evitam o abuso do poder estatal.
1. Observância da Legalidade
Toda atuação administrativa deve estar estritamente vinculada à lei. As prerrogativas só podem ser exercidas nos limites previstos expressamente pelo ordenamento jurídico.
Desta forma, o agente público não possui liberdade para agir fora dos parâmetros legais sob a justificativa de proteger o interesse público.
2. Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade
O uso das prerrogativas deve respeitar a razoabilidade, ou seja, a lógica, a coerência e o bom senso, e a proporcionalidade, evitando imposições excessivas ou desnecessárias aos administrados.
Assim, o ato administrativo, mesmo fundado na proteção do interesse público, pode ser anulado judicialmente se for desproporcional ou irrazoável.
3. Respeito aos Direitos Fundamentais
A proteção à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança e à dignidade da pessoa humana impõe limites materiais ao exercício das prerrogativas administrativas.
Portanto, nenhuma atuação estatal, ainda que visando o interesse público, pode suprimir direitos fundamentais sem previsão legal expressa e sem atender aos critérios de necessidade e adequação.
4. Controle Interno, Externo e Judicial
A atuação da Administração Pública está sujeita a múltiplos níveis de controle: o controle interno (pela própria Administração), o controle externo (pelos Tribunais de Contas e Poder Legislativo) e o controle judicial (pelo Poder Judiciário). Esses mecanismos funcionam como garantias de que as prerrogativas não sejam utilizadas de forma abusiva ou em desvio de finalidade.
Portanto, o exercício das prerrogativas administrativas, embora necessário à efetividade da função pública, deve ser sempre balizado por princípios constitucionais e por critérios jurídicos objetivos que protejam a cidadania.
Prerrogativas e seus reflexos nos contratos administrativos
As Prerrogativas do Poder Público se manifestam de forma intensa no âmbito dos contratos administrativos, conferindo à Administração vantagens específicas que não existem nos contratos regidos pelo direito privado.
1. Natureza Jurídica dos Contratos Administrativos
Os contratos administrativos, embora guardem semelhança formal com os contratos civis, distinguem-se por serem regidos predominantemente por normas de direito público.
Portanto, seu objetivo principal é a realização do interesse público, o que justifica a presença de cláusulas exorbitantes e prerrogativas especiais para a Administração.
2. Cláusulas Exorbitantes
As cláusulas exorbitantes são disposições contratuais que conferem à Administração poderes como:
Alterar unilateralmente as condições contratuais por motivo de interesse público superveniente.
Rescindir unilateralmente o contrato.
Aplicar penalidades administrativas ao contratado.
Fiscalizar a execução do contrato em tempo integral.
Essas cláusulas são previstas na Lei nº 14.133/2021 e são indispensáveis para garantir a supremacia do interesse público durante a execução contratual.
3. Teoria da Imprevisão e Revisão Contratual
O princípio da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos exige que, diante de eventos imprevisíveis ou de força maior, seja possível a revisão dos valores e condições contratuais.
Esse mecanismo protege tanto a Administração quanto o particular contratado, equilibrando a relação jurídica mesmo diante do exercício das prerrogativas.
Assim, no âmbito dos contratos administrativos, as prerrogativas do Poder Público são instrumentos essenciais para assegurar a realização do interesse coletivo, mas seu uso deve ser acompanhado de garantias adequadas para a proteção da boa-fé e da justiça contratual.
Critérios de compatibilidade com a Constituição Federal
O exercício das Prerrogativas do Poder Público deve estar estritamente compatível com os valores, princípios e garantias estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. O simples apelo ao interesse público não basta: é necessário observar critérios rigorosos para legitimar a atuação administrativa.
1. Dever de Motivação e Fundamentação dos Atos
Todo ato administrativo, especialmente aqueles que envolvem o exercício de prerrogativas, deve ser devidamente motivado, indicando os fatos, fundamentos jurídicos e a finalidade pública que o justificam. A ausência de motivação adequada compromete a validade do ato, sujeitando-o ao controle judicial.
Conforme disposto na Lei nº 9.784/1999 (art. 50), a motivação é requisito obrigatório para os atos que imponham restrições a direitos ou deveres dos administrados.
2. Controle de Abuso de Poder e Desvio de Finalidade
A Constituição impõe limites materiais à atuação do poder público, impedindo o abuso de poder e o desvio de finalidade. Ainda que munido de prerrogativas, o agente público não pode agir por interesse pessoal, por perseguição ou de maneira desproporcional em relação aos objetivos públicos.
O controle da legalidade dos atos administrativos — que inclui o exame da motivação, da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade — é essencial para garantir a compatibilidade das prerrogativas com a ordem constitucional.
3. Prevalência dos Direitos Fundamentais
O exercício das prerrogativas deve respeitar, em todas as circunstâncias, os direitos fundamentais previstos no Título II da Constituição. Qualquer restrição de direito imposta pela Administração precisa ser proporcional, necessária e adequada aos fins públicos perseguidos.
Assim, a compatibilidade das prerrogativas com a Constituição depende de sua utilização ponderada, fundamentada e voltada, de fato, à realização do interesse público primário, jamais ao benefício exclusivo da Administração.
Evolução do entendimento doutrinário e jurisprudencial
A interpretação sobre as Prerrogativas do Poder Público passou por uma profunda transformação nas últimas décadas, especialmente sob a influência do novo paradigma constitucional inaugurado em 1988.
1. Mudanças Pós-Constituição de 1988
Antes da Constituição de 1988, prevalecia uma visão mais autoritária e verticalizada das prerrogativas, centrada na supremacia absoluta do Estado sobre o indivíduo.
Com o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, a doutrina e a jurisprudência passaram a tratar as prerrogativas de forma mais crítica e equilibrada, destacando a necessidade de compatibilização com os direitos fundamentais.
Atualmente, autores como Marçal Justen Filho (2025) e Rafael Carvalho Rezende Oliveira (2025) defendem que as prerrogativas devem ser vistas não como privilégios, mas como instrumentos de responsabilidade pública, subordinados à Constituição.
2. Tendência de Ampliação da Consensualidade Administrativa
A tendência recente é de valorização da consensualidade administrativa, por meio de instrumentos como termos de ajustamento de conduta, acordos de leniência e contratos de gestão.
Essas ferramentas representam uma Administração mais dialógica e menos impositiva, respeitando os interesses privados legítimos sem abrir mão da supremacia do interesse público.
3. Jurisprudência Relevante
O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vêm aplicando rigoroso controle sobre o exercício das prerrogativas, exigindo motivação adequada, respeito aos direitos fundamentais e observância da proporcionalidade, como demonstram casos envolvendo a rescisão unilateral de contratos administrativos e o exercício do poder de polícia.
Essa evolução reflete uma Administração Pública mais moderna, transparente e comprometida com a ética, a eficiência e a justiça administrativa.
Casos concretos e exemplos práticos
A aplicação das Prerrogativas do Poder Público na prática administrativa brasileira revela como esses instrumentos são fundamentais para a realização do interesse coletivo, mas também como exigem cautela e controle rigoroso.
1. Desapropriação por Utilidade Pública
A desapropriação de imóveis urbanos para a construção de hospitais públicos é um exemplo clássico da utilização legítima das prerrogativas. O interesse da coletividade justifica a restrição ao direito de propriedade, desde que haja prévia indenização justa, conforme determina o artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal.
O STF, em diversas decisões, reconhece a validade da desapropriação desde que observados os requisitos constitucionais, reforçando o equilíbrio entre o interesse público e o direito individual.
2. Anulação de Licitação por Interesse Público
A anulação de processos licitatórios, quando constatadas irregularidades que comprometam o interesse público, também é uma manifestação legítima do exercício da autotutela administrativa.
No entanto, o STJ exige que a decisão administrativa seja motivada e que se respeitem os princípios do contraditório e da ampla defesa (REsp 1.222.853/PR).
3. Poder de Polícia e Fiscalizações Sanitárias
Durante a pandemia de COVID-19, diversas medidas de fiscalização e restrição de atividades econômicas foram justificadas com base no poder de polícia.
O STF, no julgamento da ADI 6341, reafirmou que a proteção da saúde pública justifica a atuação estatal restritiva, desde que observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Esses exemplos demonstram que o uso das prerrogativas é legítimo, mas que seu exercício deve ser criterioso, fundamentado e compatível com os valores constitucionais.
Conclusão
As Prerrogativas do Poder Público representam instrumentos indispensáveis para que a Administração Pública possa proteger o interesse coletivo e cumprir suas funções constitucionais com eficiência e responsabilidade.
Elas derivam diretamente da necessidade de assegurar a supremacia do interesse público sobre os interesses privados, mas não se confundem com privilégios ou autorizações para o arbítrio.
Ao longo do artigo, ficou claro que essas prerrogativas devem ser exercidas de forma fundamentada, proporcional e compatível com os direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição de 1988. Seu uso inadequado pode resultar em abuso de poder, responsabilização do agente público e invalidação do ato administrativo.
A evolução doutrinária e jurisprudencial demonstra a consolidação de um modelo de Administração Pública que valoriza a legalidade, a motivação dos atos, o respeito aos direitos individuais e a eficiência na prestação dos serviços públicos.
Conclui-se que a correta compreensão e aplicação das Prerrogativas do Poder Público são essenciais para a construção de uma gestão pública democrática, transparente e comprometida com a realização do bem comum, reafirmando o papel do Direito Administrativo como instrumento de concretização dos valores constitucionais.
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Referências Bibliográficas
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
- BRASIL. Lei nº 9.784/1999 – Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
- BRASIL. Lei nº 13.655/2018 – Modifica a LINDB para incluir normas sobre segurança jurídica e eficiência.
- BRASIL. Lei nº 14.133/2021 – Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
- DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 37ª edição. São Paulo: Atlas, 2024.
- JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 13ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2025.
- OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 13ª edição. São Paulo: Método, 2025.
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 37ª edição. São Paulo: Malheiros, 2024.