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Formação do Direito Administrativo no Brasil: Da Colonização à Constituição de 1988

Este artigo apresenta uma linha do tempo completa sobre a formação do Direito Administrativo no Brasil, revelando como o Estado evoluiu desde 1500 até a Constituição de 1988. Entenda os marcos jurídicos e institucionais que moldaram a Administração Pública brasileira.
Formação do Direito Administrativo no Brasil

O que você verá neste post

Introdução

A formação do Direito Administrativo no Brasil está intrinsecamente ligada à construção do Estado e à consolidação de sua estrutura administrativa, refletindo, de maneira profunda, a evolução política, social e jurídica do país.

Desde o descobrimento do Brasil em 22 de abril de 1500, o território passou por distintas fases de organização estatal — de colônia portuguesa a nação independente, de monarquia a república — cada uma deixando marcas fundamentais na conformação das instituições públicas e no modo como o poder é exercido e administrado.

No centro desse processo de amadurecimento institucional está o Direito Administrativo, ramo jurídico que regula a atuação da Administração Pública, seus agentes, seus atos, seus bens e seus princípios. 

A construção desse corpo normativo, contudo, não ocorreu de forma abrupta, mas foi fruto de uma lenta sedimentação histórica que atravessa os séculos e é diretamente influenciada pelos diversos modelos de organização do Estado adotados em cada época.

Este artigo tem por objetivo traçar uma linha do tempo jurídico-histórica que demonstra como o Direito Administrativo brasileiro foi sendo formado, desde as primeiras estruturas implantadas pelo governo colonial português até os modernos princípios constitucionais consagrados na Constituição Federal de 1988

A proposta é compreender, a partir de cada período histórico, como o Estado foi se organizando institucionalmente, quais foram os principais marcos legislativos e administrativos, e de que forma isso repercutiu na construção do aparato jurídico-administrativo que conhecemos hoje.

Ao apresentar esse panorama evolutivo, busca-se destacar os principais acontecimentos e instrumentos normativos que contribuíram para o desenvolvimento da Administração Pública no Brasil, bem como de evidenciar como a própria ideia de interesse público, controle, legalidade e eficiência foi sendo moldada ao longo do tempo, até se consolidar como pilares do ordenamento jurídico atual.

O Período Colonial (1500–1822): Administração sob o domínio português

A chegada dos portugueses ao território que hoje corresponde ao Brasil, em 22 de abril de 1500, marcou o início de um longo período de dominação colonial, caracterizado por um sistema administrativo incipiente e altamente centralizado em Lisboa. 

Nesse contexto, a estrutura do Estado brasileiro ainda inexistia de maneira autônoma; toda a organização política, econômica e jurídica estava subordinada aos interesses da Coroa portuguesa.

A ausência de estrutura estatal inicial

Nos primeiros anos após o descobrimento, não havia qualquer estrutura de governo organizada no Brasil. A prioridade da Coroa portuguesa era a exploração econômica do território, especialmente por meio do extrativismo (como o pau-brasil) e, posteriormente, do cultivo da cana-de-açúcar. 

A ausência de uma administração local refletia a visão patrimonialista do Estado, em que o território colonial era tratado como propriedade do monarca.

As Capitanias Hereditárias: tentativa de descentralização administrativa

A primeira tentativa de organização administrativa deu-se com a criação das Capitanias Hereditárias, em 1534. Inspirado em modelos de colonização utilizados em outras possessões ultramarinas portuguesas, esse sistema visava transferir a responsabilidade pela colonização a particulares — os donatários — que, em troca, recebiam extensas porções de terra.

Esses donatários exerciam funções tanto administrativas quanto judiciais e militares. No entanto, o sistema revelou-se ineficiente, com grande parte das capitanias sendo abandonadas ou absorvidas pela Coroa. A descentralização sem controle efetivo da metrópole contribuiu para a instabilidade administrativa, exigindo uma nova estrutura mais centralizada.

A criação do Governo-Geral (1549): centralização e primeiros sinais de administração pública

Diante do fracasso das Capitanias Hereditárias, a Coroa instituiu o Governo-Geral em 1549, com sede em Salvador, que passou a funcionar como a primeira instância administrativa centralizada da colônia.

O governador-geral era nomeado pelo rei e exercia amplas funções executivas, militares, judiciais e fiscais, assistido por outros agentes, como o ouvidor-mor, o provedor-mor e o capitão-mor.

Com essa medida, surgem os primeiros indícios de um modelo de Administração Pública, ainda que rudimentar e fortemente dependente da vontade real. O sistema se baseava em ordens régias e nas Ordenações do Reino, especialmente as Manuelinas (vigentes até meados do século XVII) e, posteriormente, as Filipinas, que passaram a reger as normas administrativas, civis e penais na colônia.

Influência das Ordenações Portuguesas na estrutura administrativa

As Ordenações Filipinas (1603), compêndio jurídico editado por Filipe I de Portugal, representaram o principal corpo normativo da época colonial. Embora fossem um conjunto de normas gerais, não codificadas de forma sistemática, suas disposições administrativas influenciaram fortemente a forma de exercício do poder local.

Elas disciplinavam, por exemplo, a nomeação de oficiais, a arrecadação de tributos, a estrutura dos tribunais e o funcionamento das câmaras municipais, que exerciam funções administrativas e judiciais nas vilas e cidades coloniais. 

Tais câmaras representaram uma das poucas formas de representação local na colônia, embora seu poder fosse limitado e subordinado à autoridade régia.

A administração colonial e seus agentes

Durante o período colonial, a administração pública brasileira foi marcada por um modelo personalista, centralizador e burocratizado, com forte influência patrimonialista. Os cargos públicos eram ocupados por indivíduos nomeados diretamente pelo rei, muitas vezes como forma de recompensa política, e não por critérios técnicos ou meritocráticos.

Dentre os principais agentes administrativos da época, destacam-se:

  • Governadores-gerais e capitães-generais, com amplos poderes sobre os territórios.
  • Ouvidores, responsáveis pela justiça.
  • Provedores, que cuidavam das finanças públicas e do fisco.
  • Câmaras Municipais, com funções legislativas e executivas locais, compostas por “homens bons”.

Apesar de rudimentar, esse sistema lançou as bases da burocracia pública no Brasil, ainda que moldada sob uma lógica de controle político e ausência de profissionalismo, características que persistiriam por muitos anos.

O Brasil Império (1822–1889): Organização estatal e primeiras codificações

Com a Independência do Brasil em 1822, rompe-se o vínculo colonial com Portugal e inicia-se uma nova fase da formação do Estado brasileiro. O país deixa de ser uma colônia e passa a ser uma monarquia constitucional — o Império do Brasil — liderado por Dom Pedro I

Nesse contexto, a organização administrativa e jurídica do Estado começa a ganhar contornos próprios, ainda que fortemente influenciados pelo modelo português e pelas monarquias europeias da época.

Independência e formação do Estado Nacional

A emancipação política do Brasil implicou não apenas a ruptura com a metrópole, mas a necessidade de estruturar uma nova ordem jurídica e administrativa. Surgem os primeiros esforços sistemáticos de construção de instituições próprias, voltadas à organização do poder e ao atendimento das necessidades públicas internas.

O novo Estado brasileiro buscou consolidar sua autoridade, organizando ministérios, criando órgãos administrativos e estabelecendo a lógica de uma Administração Pública subordinada ao imperador, mas com princípios que começavam a se aproximar do constitucionalismo liberal europeu.

A Constituição de 1824 e a centralização do poder

A primeira Constituição brasileira, outorgada por Dom Pedro I em 25 de março de 1824, foi um marco jurídico e político fundamental. Apesar de reconhecer a separação formal dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), a Carta instituiu um quarto poder, o Poder Moderador, atribuído exclusivamente ao imperador. Esse poder ampliava a centralização política e limitava a autonomia das demais esferas do Estado.

Do ponto de vista administrativo, a Constituição de 1824 não detalhou a estrutura da Administração Pública, mas autorizou a criação de órgãos executivos e tribunais administrativos. A gestão pública permaneceu amplamente vinculada ao imperador, o que manteve o viés centralizador característico da monarquia.

Criação de Ministérios e do Conselho de Estado

A partir da independência, o Brasil passou a organizar suas funções administrativas por meio da criação dos Ministérios de Estado, responsáveis por áreas específicas, como Justiça, Fazenda, Guerra, Marinha, Negócios Estrangeiros e Império. 

Assim, esses ministérios passaram a constituir a estrutura central da Administração Pública federal.

Também foi criado o Conselho de Estado, órgão consultivo do imperador, com atribuições de aconselhamento nas questões administrativas mais relevantes. Embora não tivesse competência decisória, o Conselho influenciava diretamente a formulação de políticas públicas e a nomeação de autoridades administrativas.

Estrutura burocrática imperial: províncias, presidentes e a Administração Pública

O Império dividia-se em províncias, cada uma chefiada por um presidente de província, nomeado pelo governo central. As províncias contavam com assembleias legislativas próprias, mas a autonomia era limitada pela forte atuação do poder central.

A Administração Pública imperial era caracterizada por uma burocracia altamente centralizada, com cargos preenchidos por nomeação, geralmente com base em critérios políticos ou de confiança pessoal. 

Apesar da criação de órgãos administrativos e de uma estrutura funcional relativamente organizada, faltava um regime jurídico-administrativo sistematizado.

Código Administrativo de 1832 e reformas posteriores

O Código Administrativo de 1832 foi a primeira tentativa de sistematizar regras sobre a organização da Administração Pública brasileira. Editado durante o período regencial, buscava racionalizar a estrutura estatal e definir competências das autoridades públicas, especialmente nas províncias e municípios.

Entre seus principais avanços, destacam-se:

  • Definição de competências das autoridades provinciais e municipais.
  • Regulamentação das atribuições das câmaras municipais.
  • Organização da justiça administrativa local.
  • Início da normatização do serviço público.

Ao longo do Império, diversas reformas foram promovidas no Código Administrativo, adaptando-o às transformações políticas e às necessidades administrativas do país. Apesar das limitações, essas normas pavimentaram o caminho para o desenvolvimento do Direito Administrativo brasileiro, ainda em sua fase embrionária.

A República Velha e o Estado Novo (1889–1945): Consolidação institucional e autoritarismo

A Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, marca a transição do regime monárquico para um sistema republicano de governo no Brasil. Com ela, instaura-se uma nova ordem constitucional baseada no federalismo, na laicidade do Estado e em princípios republicanos. 

Essa mudança de paradigma político teve impactos profundos na organização administrativa do país, abrindo caminho para novas estruturas, maior descentralização e a crescente profissionalização da máquina estatal.

Entretanto, essa fase também foi marcada por contradições: ao lado de avanços institucionais e legais, observam-se períodos de instabilidade política e autoritarismo, especialmente durante o regime de Getúlio Vargas, no chamado Estado Novo.

A Constituição de 1891: o federalismo e a descentralização administrativa

A Constituição de 1891, inspirada na Constituição dos Estados Unidos, estabeleceu o regime federativo no Brasil, substituindo o modelo centralizador do Império. 

A nova ordem constitucional conferiu autonomia política, legislativa e administrativa aos estados-membros, que passaram a ter seus próprios governadores, parlamentos e sistemas judiciários.

Do ponto de vista administrativo, essa descentralização implicou:

  • Criação de estruturas próprias nos estados;
  • Adoção de diferentes modelos de gestão pública;
  • Reforço das competências municipais.

O modelo federativo trouxe, contudo, desigualdades regionais e fragmentação administrativa, pois muitos estados não possuíam capacidade técnica e institucional para gerir suas próprias estruturas com eficiência.

A administração pública durante a República Velha (1889–1930)

Durante a chamada Primeira República, predominou o modelo político conhecido como “política dos governadores”, caracterizado pela aliança entre elites estaduais e o governo federal. 

A gestão pública era influenciada por interesses oligárquicos, com nomeações políticas, clientelismo e a prática do patrimonialismo ainda bastante presentes.

Não obstante, o período marcou o fortalecimento das instituições administrativas:

  • Expansão da burocracia estatal.
  • Criação de órgãos especializados, sobretudo nas áreas de saúde pública, transporte e infraestrutura.
  • Adoção de medidas de controle financeiro e contábil, com criação de tribunais de contas estaduais.

A Revolução de 1930 e a centralização com Getúlio Vargas

A ascensão de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, após um golpe de Estado, encerra o ciclo da República Velha e inaugura um novo momento na Administração Pública brasileira. 

O governo provisório de Vargas promoveu profundas transformações na estrutura do Estado, com centralização do poder no Executivo federal, reorganização das funções administrativas e forte intervenção na economia e na sociedade.

Entre as medidas mais relevantes do período estão:

  • Criação de ministérios técnicos, como o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (1930).
  • Instituição das leis trabalhistas e previdenciárias.
  • Fundação de empresas estatais estratégicas.
  • Formação de uma burocracia mais técnica e especializada.

Essas mudanças visavam modernizar o Estado, fortalecê-lo como agente de desenvolvimento e responder às demandas sociais emergentes.

O Estado Novo (1937–1945): autoritarismo e expansão da máquina estatal

Com o golpe de 1937, Vargas instaura o Estado Novo, um regime ditatorial sustentado pela Constituição autoritária de 1937. Esse período representou um novo salto na centralização administrativa e na intervenção estatal.

Do ponto de vista do Direito Administrativo e da estrutura estatal:

  • Ampliação da atuação direta do Estado em setores estratégicos da economia.
  • Consolidação de estatais e autarquias.
  • Instituição de órgãos de controle e planejamento, como o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) em 1938, que teve papel fundamental na racionalização e modernização da burocracia federal.

O DASP foi o primeiro órgão técnico de gestão de pessoal, concursos públicos e organização administrativa no país. Representou o embrião de uma Administração Pública burocrática e meritocrática, ainda que limitada pela ausência de garantias democráticas no regime autoritário.

Reflexos no Direito Administrativo

Esse período foi fundamental para a formação do Direito Administrativo brasileiro enquanto ramo autônomo, influenciado por modelos europeus (especialmente francês e italiano), mas adaptado às peculiaridades nacionais.

A criação de órgãos especializados, o crescimento da atuação estatal e a necessidade de controle da legalidade dos atos administrativos estimularam o desenvolvimento de doutrinas, normas e jurisprudência voltadas para a regulação das relações entre o Estado e o cidadão.

O Regime Militar (1964–1985): Repressão e tecnocracia administrativa

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O golpe militar de 31 de março de 1964, que depôs o presidente João Goulart, instaurou no Brasil um regime autoritário de exceção, que duraria até 1985. 

Sob o argumento de combater a instabilidade política e conter a ameaça comunista, os militares assumiram o controle do Estado, promovendo profundas alterações no aparato administrativo, econômico e jurídico. Nesse período, observa-se um forte crescimento da máquina estatal, acompanhada de mecanismos rigorosos de controle e repressão.

Supressão de liberdades e fortalecimento do Executivo

A característica mais marcante do regime foi a concentração de poder no Executivo federal. Com a suspensão de garantias constitucionais, o fechamento do Congresso em diferentes momentos e a edição de atos institucionais — especialmente o AI-5 (1968) — o presidente da República passou a legislar por meio de decretos-leis e atos normativos com força de lei, esvaziando o papel do Legislativo.

Do ponto de vista da Administração Pública, essa centralização fortaleceu:

  • A Presidência da República e seus ministérios.
  • Órgãos vinculados à segurança nacional e à repressão política.
  • A atuação das Forças Armadas na gestão de órgãos públicos.

O aparato burocrático passou a funcionar sob um modelo de obediência hierárquica rígida, onde o controle político era exercido sobre todos os níveis da administração.

Tecnocracia e expansão do papel do Estado na economia

Apesar do autoritarismo político, o regime militar implementou uma política econômica fortemente desenvolvimentista. A década de 1970, conhecida como o período do milagre econômico brasileiro, testemunhou um crescimento expressivo do PIB, acompanhado por grandes obras de infraestrutura e a criação de estatais em setores estratégicos.

Nesse contexto, a administração pública foi conduzida por tecnocratas — engenheiros, economistas e administradores públicos — que atuavam sob a lógica da eficiência, planejamento e produtividade, sem, no entanto, submeter-se ao controle democrático.

Destacam-se como características dessa fase:

  • Criação de empresas estatais, como a Eletrobras, Telebras e Embratel.
  • Fortalecimento do setor de planejamento (Ministério do Planejamento e órgãos correlatos).
  • Ampliação da intervenção estatal em setores como energia, telecomunicações e transportes.

Essa expansão exigiu a profissionalização de quadros técnicos, mas também gerou um Estado inchado, com sobreposição de funções e baixa transparência.

Decreto-Lei nº 200/1967: marco da modernização administrativa

Um dos principais legados administrativos do regime militar foi o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, considerado um divisor de águas na estruturação da Administração Pública brasileira.

Entre suas inovações, destacam-se:

  • A distinção entre administração direta e indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista);
  • A introdução dos princípios da descentralização, coordenação e controle;
  • A valorização da eficiência administrativa como princípio norteador;
  • O reconhecimento da figura do “dirigente público” como gestor responsável por resultados.

O DL nº 200/1967 aproximou a Administração Pública brasileira de modelos gerenciais, ainda que dentro de um regime político centralizado e não democrático. Suas diretrizes ainda influenciam o ordenamento jurídico atual, tendo sido parcialmente recepcionadas pela Constituição de 1988.

Fortalecimento dos órgãos de controle e planejamento

Durante esse período, foram criadas ou reforçadas instituições voltadas ao planejamento estatal e ao controle interno da Administração Pública, como:

  • Secretaria de Controle Interno da Presidência.
  • Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
  • Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
  • Tribunal de Contas da União (TCU) — fortalecido com mais atribuições fiscalizatórias.

Ainda que importantes sob o ponto de vista técnico, esses órgãos operavam sem o devido controle social, o que contribuía para um modelo de gestão autoritário, vertical e opaco.

Reflexos no Direito Administrativo

O Direito Administrativo, nesse período, teve seu desenvolvimento influenciado por duas vertentes aparentemente contraditórias:

  • Por um lado, o avanço institucional e normativo, com a consolidação de categorias jurídicas como as formas de organização da Administração Indireta, os contratos administrativos e os regimes jurídicos diferenciados.
  • Por outro lado, a fragilidade dos direitos fundamentais e a ausência de efetivo controle jurisdicional da Administração Pública, em razão da limitação das liberdades e da independência do Judiciário.

O Direito Administrativo passou a tratar mais tecnicamente das questões de organização estatal e menos das garantias do administrado, o que só seria revisto com a abertura democrática e a promulgação da nova Constituição.

A Constituição de 1988: o marco da Administração Pública democrática

A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 5 de outubro de 1988 representou o ponto de inflexão mais significativo da história institucional e administrativa do país. 

Elaborada após um longo período de regime autoritário, a nova Carta Magna foi fruto de um processo democrático, participativo e plural, que visava refundar o Estado brasileiro sob os valores da liberdade, cidadania, justiça social e respeito aos direitos fundamentais.

Para o Direito Administrativo, a Constituição de 1988 significou a consolidação de um sistema jurídico voltado para a legalidade, moralidade, publicidade, eficiência e impessoalidade, estabelecendo princípios, estruturas e garantias que moldariam a Administração Pública contemporânea.

Redemocratização e a necessidade de uma nova Constituição

Após o fim do regime militar em 1985, o país passou por um processo de transição política conhecido como abertura democrática

A convocação da Assembleia Nacional Constituinte foi uma resposta à demanda da sociedade por um novo pacto institucional, capaz de romper com os vícios autoritários do passado e estabelecer um modelo de gestão pública orientado para o interesse público e o controle social.

O texto constitucional de 1988 foi profundamente influenciado por esse contexto, assumindo um papel normativo ativo na reorganização do Estado e na redefinição das funções da Administração Pública.

Os princípios da Administração Pública no art. 37 da CF/88 (LIMPE)

Um dos dispositivos mais emblemáticos do novo regime jurídico-administrativo é o caput do artigo 37, que elenca os princípios constitucionais da Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Esses princípios, conhecidos pelo acrônimo LIMPE, são:

  • Legalidade: a Administração só pode agir conforme a lei.
  • Impessoalidade: os atos administrativos devem visar ao interesse público, e não a interesses pessoais ou partidários.
  • Moralidade: o agir administrativo deve respeitar padrões éticos e de boa-fé.
  • Publicidade: os atos devem ser transparentes, possibilitando o controle social.
  • Eficiência: a atuação do Estado deve buscar os melhores resultados com o menor custo possível.

Esses princípios passaram a ser a base interpretativa e normativa do Direito Administrativo, norteando tanto a atuação dos gestores públicos quanto o controle exercido pelos tribunais e pela sociedade.

Estrutura e organização da Administração Pública na CF/88

A Constituição também sistematizou a organização da Administração Pública em dois grandes blocos:

  • Administração Direta: integrada pelos órgãos que compõem as estruturas dos entes federativos (União, Estados, DF e Municípios).
  • Administração Indireta: formada por entidades com personalidade jurídica própria, como autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista, vinculadas à Administração Direta, mas com maior autonomia gerencial.

A Carta de 1988 estabeleceu regras para a criação, controle, finalidade e funcionamento dessas entidades, fortalecendo o princípio da legalidade administrativa e impondo limites à atuação estatal.

Mecanismos de controle e fiscalização

Com o objetivo de prevenir abusos, assegurar o bom uso dos recursos públicos e fortalecer a responsabilidade administrativa, a Constituição instituiu e fortaleceu mecanismos de controle interno e externo, tais como:

  • Tribunal de Contas da União (TCU) e dos demais entes federativos.
  • Controle legislativo sobre os atos do Executivo.
  • Ministério Público, com autonomia e independência funcional.
  • Controle judicial, por meio do acesso amplo ao Judiciário para revisão de atos ilegais ou abusivos da Administração.
  • Controle social, assegurado pelo princípio da publicidade, pelo direito de petição e pela atuação de conselhos, audiências públicas e órgãos participativos.

Esses mecanismos transformaram o cenário da gestão pública, introduzindo uma cultura de prestação de contas (accountability) e ampliando o campo de aplicação do Direito Administrativo sancionador.

O servidor público e o regime jurídico único

Outro avanço importante foi a valorização do servidor público como agente do Estado, com a criação de um regime jurídico único para a Administração Direta, autarquias e fundações públicas, disciplinado pela Lei nº 8.112/1990 (regime estatutário federal).

A Constituição garantiu:

  • Estabilidade no serviço público.
  • Direitos e deveres funcionais.
  • Acesso por concurso público.
  • Responsabilidade administrativa, civil e penal dos agentes.

Essas medidas buscaram assegurar a profissionalização da burocracia estatal e coibir práticas patrimonialistas e clientelistas.

O Direito Administrativo contemporâneo: entre a eficiência e o controle social

Desde 1988, o Direito Administrativo brasileiro tem evoluído continuamente, acompanhando os desafios do Estado contemporâneo: aumento da demanda por serviços públicos, complexidade das políticas públicas, necessidade de governança, e busca por maior eficiência e inovação.

Esse movimento tem sido influenciado por marcos legais e institucionais como:

Ao mesmo tempo, o Direito Administrativo se vê cada vez mais comprometido com o controle social, a governança pública, a integridade institucional e a proteção dos direitos fundamentais, consolidando um modelo de Administração Pública cidadã e participativa.

Conclusão

A formação do Direito Administrativo no Brasil e do Estado nacional reflete uma construção histórica marcada por profundas transformações políticas, sociais e institucionais. 

Desde o descobrimento do Brasil, em 1500, até a Constituição Federal de 1988, o país atravessou uma trajetória de lenta consolidação de estruturas administrativas, moldadas pelas necessidades de governo, organização e controle da vida pública.

Durante o período colonial, a administração estava subordinada à Coroa portuguesa, com forte influência patrimonialista. Com a independência em 1822, o Brasil iniciou a construção de um Estado autônomo, com os primeiros códigos administrativos e uma burocracia centralizada no Império. 

Assim, a República introduziu o federalismo e novos órgãos públicos, ainda que permeados por práticas clientelistas.

No século XX, o Estado Novo e o regime militar centralizaram o poder e modernizaram a Administração Pública, adotando uma gestão tecnocrática, porém autoritária. 

A Constituição de 1988 rompe com esse modelo e inaugura um novo paradigma: uma Administração Pública democrática, orientada por princípios como legalidade, moralidade, transparência, eficiência e respeito aos direitos fundamentais.

Compreender essa evolução é essencial para entender os desafios contemporâneos da gestão pública brasileira. Mais do que organizar o Estado, o Direito Administrativo brasileiro tornou-se uma ferramenta de cidadania, justiça e governança. 

Portanto, o desafio atual é transformar os avanços jurídicos em práticas administrativas éticas, republicanas e comprometidas com o interesse público.

Referências Bibliográficas

  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
  • BRASIL. Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm
  • CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2023.
  • DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 35. ed. São Paulo: Atlas, 2022.
  • MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2022.
  • BASTOS, Celso Ribeiro. História das Constituições Brasileiras. São Paulo: Saraiva, 1991.
  • FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. São Paulo: Globo, 2001.
  • SOUSA, Jessé. A Elite do Atraso: Da Escravidão à Lava Jato. São Paulo: Leya, 2017.
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